Da Importância da Análise Documental na Compra de Imóveis

CAUTELAS NA COMPRA DE IMÓVEIS – IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DOCUMENTAL

 

            Introdução

 

            Que ninguém se iluda acreditando que no Brasil é possível a realização de um negócio imobiliário absolutamente seguro. Na realidade, mesmo com a verificação de que a documentação pertinente está em ordem é possível que o adquirente tenha que enfrentar algum tipo de problema futuramente. Desta forma, o que se deve procurar fazer quando de uma transação imobiliária é adotar todas as cautelas que possam, de alguma forma, minimizar os riscos.

            Para a maioria das pessoas a aquisição de um imóvel é, além da realização de um sonho, a alocação de todas as economias de uma vida inteira em um único bem. Isto, por si só, demonstra que não se pode realizar esse tipo de negócio sem determinados cuidados. Um negócio imobiliário não pode ser realizado apenas considerando que o vendedor é um amigo, uma pessoa de confiança ou algo parecido.

O objetivo deste singelo trabalho é, sem esgotar o assunto, tentar evidenciar alguns dos muitos riscos que envolvem negociações corriqueiras com imóveis, sugerindo algumas posturas aos compradores.

           

1 - Da importância da documentação

           Toda negociação com imóveis possui riscos e envolve valores significativos, sendo possível até mesmo dizermos que não há transação imobiliária absolutamente segura. Entretanto, com uma boa assessoria e adotando-se determinados cuidados é possível que os riscos sejam bastante minimizados.

Dentre as cautelas que devem ser tomadas pelos adquirentes de imóveis está a verificação de vasta documentação. É a partir da análise atenta de uma série de certidões que se pode descobrir muitas questões extremamente relevantes sobre o proprietário e o imóvel que se pretende comprar.

Um bom profissional saberá, para cada caso, quais os documentos (e geralmente a lista é extensa) que devem ser estudados para se tentar, da melhor forma, diminuir as possibilidades de haver problemas no futuro.

É imprescindível que as partes estejam devidamente assessoradas por profissionais que, além de possuírem capacitação técnica para prestarem este tipo de auxílio, sejam de total confiança. Nesse instante, bons conhecimentos jurídicos são fundamentais, afinal, não é muito rara a caracterização de fraude à execução ou fraude contra credores.

Dividindo a documentação em dois grupos, há uma parte relacionada ao imóvel que se pretende adquirir, e outra relativa ao(s) proprietário(s). Comecemos fazendo breves considerações sobre a documentação do imóvel.

 

1.1. Documentação referente ao imóvel

Primeiramente, o comprador deve saber a quem pertence o imóvel que pretende adquirir, e isto é identificado a partir do estudo da matrícula atualizada do imóvel (com negativa de ônus, penhoras, hipotecas e outros gravames). Este documento é indispensável.

Da análise da matrícula muitos detalhes podem ser verificados, tais como:

a) se a pessoa que se apresenta como vendedor é, de fato, o proprietário do imóvel (art. 1.228, CC);

b) se o imóvel já foi prometido a outra pessoa (que terá direito real de aquisição);

c) se o imóvel é de uma única pessoa, ou se trata de condôminos (para atendimento do disposto no art. 504, CC – preferência);

d) se o vendedor é casado (salvo se pelo regime da separação total de bens), pois será necessária a outorga uxória/marital (art. 1647, CC);

e) se o bem está gravado com cláusula de inalienabilidade (art. 1.911, CC), usufruto (art. 1394, CC) ou hipoteca (art. 1.419, CC);

f) se em algum momento houve venda de ascendente para descendente, pois neste caso é indispensável ter havido a anuência dos outros filhos e do cônjuge do vendedor (arts. 496 e 220, CC). No caso de doação a descendente não há prejuízos ao adquirente (art. 544, CC), salvo se da parte inoficiosa (art. 549, CC);

g) se há contrato de locação registrado, com cláusula de vigência (arts. 8º, 27 e 330, Lei 8.245/1991);

h) se houve venda com lesão (art. 157, CC), pois será possível a anulação do negócio no prazo de quatro anos (art. 178, CC);

i) há quanto tempo o imóvel pertence ao vendedor, pois dependendo do caso pode ser necessária a análise de toda a documentação relativa ao(s) antecessor(es), haja vista que é de quatro anos o prazo para ajuizamento de ação revocatória ou pauliana (art. 178, II, CC) – contados da data do registro (STJ – 4ª T., REsp nº 710.810/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 10.03.2008, STJ – 3ª T., REsp nº 118.051/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 01.08.2000, p. 256; STJ – 4ª T., REsp nº 14.797/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 07.11.1994, p. 30.024; STJ – 4ª T., REsp nº 36.065/SP, Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira, DJ 10.10.1994, p. 27.175)

 

Uma observação importante a ser feita é que a certidão atualizada da matrícula do imóvel vale por 30 dias. Assim, nada impede que um proprietário estelionatário, durante esse prazo (30 dias) venda o mesmo imóvel para mais de uma pessoa. Neste caso, o comprador de boa-fé que, em primeiro lugar, levar a registro sua escritura de compra e venda é quem se tornará proprietário. Confira-se:

 

“CIVIL. VENDA DE IMÓVEL A DUAS PESSOAS DISTINTAS. ANULAÇÃO DE ESCRITURA E DO REGISTRO. IMPROCEDÊNCIA.
A só e só circunstância de ter havido boa-fé do comprador não induz a que se anule o registro de uma outra escritura de compra e venda em que o mesmo imóvel foi vendido a uma terceira pessoa que o adquiriu também de boa-fé. Se duas distintas pessoas, por escrituras diversas, comprarem o mesmo imóvel, a que primeiro levar a sua escritura a registro é que adquirirá o seu domínio. É o prêmio que a lei confere a quem foi mais diligente. Recursos conhecidos e providos.”
(STJ – 4ª T., REsp nº 104.200/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 04.09.2000, p. 155)

 

Isto justifica nossa afirmação no sentido de que, por mais regular e adequada que a documentação se apresente, não há venda e compra de imóveis totalmente segura.

            Apesar de a matrícula do imóvel já fornecer uma boa quantidade de informações, muitos outros documentos ainda são de suma importância. Comecemos pelas certidões relativas a tributos municipais, foro e laudêmio. Todas essas despesas são consideradas propter rem, ou seja, seguem a coisa (art. 130, CTN). Desta forma, se uma pessoa adquire um imóvel com tributos em atraso, terá o dever de pagá-los, ainda que os fatos geradores refiram-se a períodos anteriores à aquisição. Nesse sentido:

 

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IPTU. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PROPTER REM. INCLUSÃO DO NOVEL PROPRIETÁRIO. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. POSSIBILIDADE.
1. A obrigação tributária real é propter rem, por isso que o IPTU incide sobre o imóvel (art. 130 do CTN).
2. Deveras, ainda que alienada a coisa litigiosa, é lícita a substituição das partes (art. 42 do CPC), preceito que se aplica à execução fiscal, em cujo procedimento há regra expressa de alteração da inicial, qual a de que é lícito substituir a CDA antes do advento da sentença.
(...)
4. O IPTU tem como contribuinte o novel proprietário (art. 34 do CTN), porquanto consubstanciou-se a responsabilidade tributária por sucessão, em que a relação jurídico-tributária deslocou-se do predecessor ao adquirente do bem. Por isso que impedir a substituição da CDA pode ensejar que as partes dificultem o fisco, até a notícia da alienação, quanto à exigibilidade judicial do crédito sujeito à prescrição.
5. In casu, não houve citação da referida empresa, tendo a Fazenda Pública requerido a substituição da CDA e a citação do atual proprietário do imóvel.
6. Doutrina abalizada comunga do mesmo entendimento, in verbis: "Se a dívida é inscrita em nome de uma pessoa, não pode a Fazenda ir cobrá-la de outra nem tampouco pode a cobrança abranger outras pessoas não constantes do termo e da certidão, salvo, é claro, os sucessores, para quem a transmissão do débito é automática e objetiva, sem reclamar qualquer acertamento judicial ou administrativo". (Humberto Theodoro Junior, in  Lei de Execução Fiscal, 7ª ed. Saraiva, 2000, p. 29).
7. Conseqüentemente, descoberto o novel proprietário, ressoa manifesta a possibilidade de que, na forma do art. 2.º, da Lei 6.830/80, possa a Fazenda Pública substituir a CDA antes da sentença de mérito, impedindo que as partes, por negócio privado, infirmem as pretensões tributárias.
8. Recurso Especial provido.”
(STJ – 1ª T., REsp nº 840.623/BA, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 15.10.2007, p. 237)

           

            Em se tratando de aquisição de imóvel em condomínio, há que se analisar em que estado se encontram as despesas condominiais, pois também são propter rem (art. 1.345, CC):

 

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. RESPONSABILIDADE. COTAS CONDOMINIAIS CONSTITUÍDAS ANTES DA AQUISIÇÃO PELO CREDOR FIDUCIÁRIO. LEGITIMIDADE DO ATUAL PROPRIETÁRIO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL. IDENTIDADE ENTRE A ORIENTAÇÃO SUFRAGADA PELA CORTE DE ORIGEM E DECISÃO MONOCRÁTICA E AQUELA TRILHADA POR ESTE TRIBUNAL SUPERIOR. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
A responsabilidade pelo pagamento de cotas condominiais em atraso alcança o atual proprietário, ainda que constituídas antes da aquisição pelo credor fiduciário, por se tratar de obrigações propter rem. Na hipótese de identidade entre a orientação jurisprudencial sufragada pela Corte de origem e adotada pela decisão monocrática e aquela trilhada por este Tribunal Superior, incide a Súmula 83/STJ. Agravo regimental improvido.”
(STJ – 3ªT., AgRg no Ag nº 792.138/RJ, Rel. Min. Paulo Furtado, DJe 26.06.2009)

 

            Normalmente, os adquirentes se preocupam apenas em saber se as despesas condominiais estão em dia. Entretanto, há que se pensar, ainda, na situação do condomínio com relação aos aspectos trabalhistas e previdenciários. Conforme decisão proferida pela Justiça do Trabalho, há entendimento no sentido de que unidades autônomas podem ser penhoradas em razão de dívidas do condomínio. Do voto da Desembargadora Carmen Gonzales é possível verificar tal entendimento jurisprudencial:

 

“(...)
Incontroverso nos autos que o terceiro embargante é proprietário de algumas unidades comerciais localizadas no Condomínio Centro Comercial Guabiroba. O Condomínio é executado por dívida trabalhista nos autos do proc. nº 00276-2006-101-04-00-4 e o terceiro embargante, na condição de condômino, teve a execução contra si redirecionada.
Adota-se o entendimento de que a responsabilidade dos condôminos pelas obrigações trabalhistas é proporcional, inclusive aquelas decorrentes de decisão judicial, em conformidade com o disposto no artigo 3º da Lei 2.757/56 e artigos 624 e 626 do novo Código Civil.
Segundo o artigo 3º da Lei 2.757/56, “os condôminos responderão, proporcionalmente, pelas obrigações previstas nas leis trabalhistas, inclusive as judiciais e extrajudiciais” (grifado). Já o atual Código Civil, a respeito da matéria em debate, prevê que: 
Art. 624. O condômino é obrigado a concorrer na proporção de sua parte, para as despesas de conservação ou divisão da coisa e suportar na mesma razão os ônus, a que estiver sujeita.
(...)
Art. 626. Quando a dívida houver sido contraída por todos os condôminos, sem se discriminar a parte de cada um na obrigação coletiva, nem se estipular solidariedade, entende-se que cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão, ou sorte, na coisa comum. (grifado)
Como se observa, a responsabilidade de cada condômino se dá de forma proporcional. De sinalar, ainda, como bem referido nas razões recursais, que as obrigações trabalhistas (no caso, decorrentes de decisão judicial) se inserem no conceito de “despesas de conservação”.
Não há aqui falar em responsabilidade solidária dos condôminos, pois esta somente se dá quando decorrer da lei ou da vontade das partes. No caso, a responsabilidade por dívidas do condomínio somente pode ser dar de forma solidária quando esta assim restar estipulada (artigo 626 do CC), o que não ocorre na presente situação.
No mesmo sentido já decidiu a 8ª Turma deste Tribunal, em acórdão da lavra da desembargadora Maria Cristina Schaan Ferreira, proferido nos autos do proc. nº 00544-2003-402-04-00-6, publicado em 09.06.2008, onde esta Relatora atuou na condição de Revisora e a decisão se deu por unanimidade. No referido acórdão, a decisão adotada foi no sentido de que a responsabilidade de cada condômino (tanto pelas despesas ordinárias como pelas extraordinárias), se dá de forma proporcional à fração ideal que cada um possuir, inexistindo solidariedade passiva a permitir a execução de um único condômino pela integralidade da dívida.
Em face do exposto, respondendo cada condômino pela fração ideal que possuir, não há falar em desconstituição da penhora realizada e liberação do bem constrito, mas em observância da proporcionalidade referente à fração ideal que o ora recorrente possui em relação ao condomínio executado. Não se acolhe aqui o percentual de “no máximo 10%” requerido pelo agravante, pois não se trata de dividir a responsabilidade pelo número de unidades existentes no condomínio, mas em observar a fração ideal de cada um dos condôminos, pois nem sempre as unidades condominiais possuem a mesma medida e, portanto, as frações ideais podem ser distintas entre os condôminos.
Assim, dá-se provimento parcial ao recurso para fixar que a responsabilidade do terceiro embargante, ora agravante, pelos valores executados deve se dar de forma proporcional à fração ideal que o mesmo possui junto ao Condomínio Centro Comercial Guabiroba.
(...)”
(TRT – 4ª Rg. – 9ªT., Proc. nº 0079700-02.2008.5.04.0101-AP, Des. Rel. Carmen Gonzalez, julg. 18.11.2009)

 

            No mesmo sentido:

“EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE BENS PARTICULARES DO CONDÔMINO PARA SALDAR DÉBITO JUDICIAL DO CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO INDIVISÍVEL.
É possível que a constrição recaía sobre bens particulares do condômino para saldar débito do condomínio proveniente de sentença judicial quando este não possui bens suficientes, principalmente porque se trata de obrigação indivisível na qual o reclamante pode exigir de um dos devedores o cumprimento integral da dívida, ficando este último sub-rogado nos direitos do credor em relação aos demais co-obrigados, à luz da regra insculpida no art. 259 do Código Civil.”
(TRT – 5ªRg. – 2ª T., Proc. nº 0183700-14.2004.5.05.0021-AP, Rel. Des. Dalila Andrade, DJ 15.12.2006)

 

           Convém ressaltar que o artigo 1.345 do Código Civil não faz nenhuma ressalva com relação a imóveis arrematados em hasta pública, o que nos faz pensar que mesmo nessa hipótese o arrematante deverá suportar os encargos relativos às despesas de condomínio que estiverem em atraso.

            Dependendo da região em que o imóvel está situado pode haver a possibilidade de tombamento ou declaração de utilidade pública. Assim, nesse caso, é adequado solicitar ao vendedor também uma certidão negativa de utilidade pública e tombamento (em São Paulo a consulta deve ser feita ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – CONDEPHAAT). Com isto o adquirente saberá se o imóvel não foi declarado de utilidade pública ou social para efeitos de desapropriação, ou se foi tombado como patrimônio histórico, artístico ou ambiental.

            No que se refere a despesas de consumo, como é o caso de água, energia, gás, etc. é comum solicitar a comprovação de que os pagamentos estão em dia. Isto, na verdade, é uma cautela para evitar aborrecimentos no caso de haver débitos em atraso, pois no que se refere à responsabilidade pelo pagamento não podem ser transferidas ao adquirente, haja vista não se enquadrarem como despesas propter rem, (STJ – 2ª T., AgRg no Ag nº 1.244.116/SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 12.03.2010).

            Passemos a comentar a documentação referente ao proprietário.

 

            1.2. Documentação referente ao proprietário

            Muito cuidado deve ser tomado para saber de quem se está adquirindo o imóvel. Vasta documentação será necessária, sendo que, repetindo o que já dissemos, não é possível ter certeza absoluta de que não haverá problemas no futuro, devendo-se, inclusive, verificar se o vendedor é ou não empresário (sentido amplo).

            Se o proprietário do imóvel for pessoa menor de idade, ainda que esteja devidamente representado ou assistido pelos seus responsáveis, é indispensável uma autorização judicial para vender (arts. 1691 e 1.750, CC).

Há quem estranhe o fato de alguns advogados ou consultores imobiliários, solicitarem certidões do âmbito criminal. Não entendem, normalmente, que efeitos um eventual processo criminal pode irradiar sobre uma transação imobiliária. A importância dessa análise está no fato de que dependendo da situação, o juiz criminal pode fixar uma quantia referente a indenização por danos causados. Esse cuidado decorre do disposto no artigo 91, I, do CP, e artigos 63 e 387, IV, do CPP.

 

            1.2.1. Do proprietário empresário

            Nos termos do artigo 966 do Código Civil, é considerado empresário quem exerce profissionalmente qualquer atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Entretanto, não se caracteriza como atividade empresária o exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

            As atividades empresariais podem ser exercidas pelo empresário individualmente (pessoa física) ou por sociedades, empresárias ou simples. No grupo das sociedades empresárias estão todas aquelas que exploram habitualmente alguma atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, objetivando o lucro, (art. 966, caput, CC). As sociedades simples, por sua vez, ou adotam a forma de cooperativa, ou exercem atividade econômica própria de empresário rural, ou atividades consideradas “não empresariais”, como é o caso, por exemplo, das arroladas no parágrafo único do artigo 966 do Código Civil.

            Em se tratando de empresário individual, a responsabilidade pelo exercício de sua atividade econômica será sempre ilimitada, ou seja, todo o seu patrimônio particular responde pelas obrigações empresariais. Vale conferir entendimento jurisprudencial sobre o assunto:

 

“PENHORA - Ativos Financeiros - incidência sobre patrimônio do titular de empresa individual devedora - Admissibilidade, ante inexistência de autonomia patrimonial a determinar que todo o acervo, em nome da empresa ou de seu dono, responda pelas dívidas contraídas perante terceiros - Constrição determinada - Recurso provido.”
(TJ/SP – 21ªC. Dir. Priv., Ag. Inst. nº 7.150.351-6, Rel. Des. Itamar Gaino, julg. 27.06,2007).

           

            Nesse acórdão ficou entendido que:

“É possível, na hipótese, a incidência da constrição sobre bens do titular da empresa individual, por dívidas por esta contraídas, pois não se pode cogitar de autonomia patrimonial do indivíduo em relação à pessoa jurídica.
A chamada ‘empresa individual’ não se distingue, quanto â responsabilidade, da pessoa física de seu titular. Embora possa ter denominação e cadastros próprios, seu patrimônio confunde-se com o de seu titular, de sorte que todo o acervo, em nome da empresa ou de seu dono, responde pelas dívidas contraídas perante terceiros.
Ressalvada a ficção tributária para efeito dos impostos, especialmente o de renda, a firma individual não é pessoa jurídica. Identifica-se com a própria pessoa física, comerciante ou prestador de serviço singular.”

 

“COMERCIAL E TRIBUTÁRIO - FIRMA INDIVIDUAL - PESSOA FÍSICA - INEXISTÊNCIA DE DUPLA PERSONALIDADE - CONFUSÃO PATRIMONIAL - RESPONSABILIDADE ILIMITADA - DÉBITOS NO NOME EMPRESARIAL - CERTIDÃO POSITIVA NO NOME CIVIL
A firma individual não é pessoa jurídica, mas apenas o nome que a pessoa física adota para a prática dos atos de empresa. Em não havendo dupla personalidade, há confusão patrimonial e, em conseqüência, a responsabilidade do detentor da firma individual pelos atos praticados sob o nome empresarial é ilimitada. Logo, existindo débitos da firma individual, a certidão expedida no nome civil de seu titular será positiva.”
(TJ/SC – 2ªC. Dir. Púb., Ag. Inst. nº 2004.001450-3, Rel. De. Luiz Cézar Medeiros, julg. 25.05.2004)

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CAUTELAR DE ARRESTO - FIRMA INDIVIDUAL. A firma individual, por constituir simplesmente uma denominação utilizada pela pessoa física, confunde-se com seu titular, respondendo o patrimônio comum pelas dívidas contraídas no exercício das atividades comerciais ou industriais. O arresto, como medida cautelar, submete-se aos requisitos gerais desta, ou seja, presença de fumus boni iuris, representado pela prova de dívida líquida e certa, e o periculum in mora, representado pelo fundado receio de dano.”
(TJ/MG – 17ª C. Cív., Ag. Inst. nº 2.0000.00.509641-7/000-1, Rel Des. Walter Pinto da Rocha, julg. 04.08.2005)

 

As sociedades empresárias, por outro lado, sempre respondem de forma ilimitada pelas obrigações contraídas. Entretanto, a responsabilidade dos sócios poderá ser limitada, ilimitada ou mista conforme a espécie de sociedade que integra.

No caso de sociedades em nome coletivo os sócios respondem ilimitadamente; nas sociedades em comandita por ações ou em comandita simples a responsabilidade dos sócios é mista; e nas sociedades anônimas e limitadas, a responsabilidade dos sócios é limitada.

Quando os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações contraídas pela sociedade, em primeiro lugar devem ser executados integralmente os bens da sociedade, e somente no caso de estes não serem suficientes para saldar as dívidas é que se poderá avançar sobre o patrimônio dos sócios. É o que se chama de “benefício de ordem”. Porém, convém destacar que nada impede que do contrato social conste cláusula prevendo a responsabilização solidária dos sócios (art. 1.023, CC).

Em se tratando de responsabilidade limitada dos sócios, responderão solidariamente pelas dívidas da sociedade (art. 1.052, CC), mas apenas no que se refere à integralização do capital social declarado. Assim, se todos os sócios já integralizaram o capital social declarado pela sociedade, não terão seus bens particulares alcançados para saldar dívidas da sociedade. Vale verificar entendimento jurisprudencial:

 

“CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. SOCIEDADE LIMITADA. INSCRIÇÃO DO NOME DE SÓCIO-COTISTA NO SERASA EM RAZÃO DE DÉBITO CONTRAÍDO PELA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE PROVA DO PREJUÍZO. DANO MORAL CONFIGURADO.
1. A instituição bancária que procede a restrição do nome de sócio-cotista no SERASA, em função de débito contraído pela sociedade empresária, comete ato ilícito capaz de ensejar reparação por danos morais, tendo em vista o abalo de crédito sofrido pela vítima.
2. A constituição da pessoa jurídica acarreta a separação do patrimônio destinado ao seu desenvolvimento, de modo que apenas os bens da sociedade respondem pelas obrigações por ela contraídas.
3. Com a integralização do capital subscrito, os sócios não respondem por quaisquer quantias devidas pela empresa, salvo nas hipóteses de abuso de poder ou fraude.
(...).”
(TRF – 5ª – 1ªT., Ap. Cív.nº 2004.82.00.008066-7, Rel. Des. Fed. Francisco Wildo, julg. 01.06.2006)

 

Diferente é o caso em que um dos sócios não integralizou suas cotas, pois nesta hipótese todos os sócios são solidariamente responsáveis pela respectiva integralização. Entretanto, se houver abuso da personalidade jurídica, o que se caracteriza pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o Poder Judiciário poderá, a requerimento do credor, estender aos sócios a responsabilidade pelas obrigações da sociedade. Nesta situação, os sócios responderão com seus bens particulares (art. 50, CC). Confira-se:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA MOVIDA CONTRA SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - PEDIDO DE PENHORA DE BENS PARTICULARES DE SÓCIO COTISTA - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PARA ENSEJAR A RESPONSABILIZAÇÃO - INEXISTINDO PROVA DA ATUAÇÃO FRAUDULENTA OU DE ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, CARACTERIZADO PELO DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL, NÃO SE ADMITE A CONSTRIÇÃO DO PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS - AUTONOMIA ENTRE O PATRIMÔNIO DA EMPRESA E DAS PESSOAS FÍSICAS QUE A COMPÕE (ARTS. 50 E 1052, DO CC) - PRECEDENTES DA CÂMARA - POSSIBILIDADE DO REEXAME DA MATÉRIA FRENTE A PRODUÇÃO DE PROVA DEMONSTRANDO OS PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS PARA DEFERIMENTO DA MEDIDA EXCEPCIONAL - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Ante a regra geral de que os bens dos sócios não respondem por dívidas da pessoa jurídica que integram, cabe ao credor o ônus de apresentar elementos que autorizem a aplicação do art. 592, II, do Código de Processo Civil.”
(TJ/SC – 4ª C. Dir. Com., Ag. Inst. nº 2004.029120-1, Rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, julg. 13.10.2005)

 

Desta forma, ainda que a sociedade seja por cotas de responsabilidade limitada, há situações que acarretam aos sócios a responsabilidade ilimitadamente por dívidas da pessoa jurídica.

 

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES.
1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente.
2. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76).
3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.
4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio.
5. Precedentes desta Corte Superior.
6. Embargos de Divergência rejeitados.”
(STJ – 1ª Seção, EREsp nº 174.532/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 20.08.2001, p. 342)

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO QUOTISTA. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. DÉBITOS RELATIVOS À SEGURIDADE SOCIAL. LEI 8.620/93, ART. 13. ÔNUS DA PROVA.
1. A responsabilidade patrimonial secundária do sócio, na jurisprudência do E. STJ, funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.
2. A responsabilidade patrimonial do sócio sob o ângulo do ônus da prova reclama sua aferição sob dupla ótica, a saber: I) a Certidão de Dívida Ativa não contempla o seu nome, e a execução voltada contra ele, embora admissível, demanda prova a cargo da Fazenda Pública de que incorreu em uma das hipóteses previstas no art. 135 do Código Tributário Nacional; II) a CDA consagra a sua responsabilidade, na qualidade de co-obrigado, circunstância que inverte o ônus da prova, uma vez que a certidão que instrui o executivo fiscal é dotada de presunção de liquidez e certeza.
3. A Primeira Seção desta Corte Superior concluiu, no julgamento do ERESP n.º 702.232/RS, da relatoria do e. Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 26.09.2005, que: a) se a execução fiscal foi ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, foi requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente, incumbe ao Fisco a prova da ocorrência de alguns dos requisitos do art. 135, do CTN, vale dizer, a demonstração de que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou a dissolução irregular da empresa; b) constando o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário na CDA, cabe a ele, nesse caso, o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN, independente de que a ação executiva tenha sido proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei n.º 6.830/80.
4. Tratando-se de débitos de sociedade para com a Seguridade Social, esta C. Corte assentou o entendimento de que a responsabilidade pessoal dos sócios das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, prevista no art. 13 da Lei nº 8.620/93, só existe, igualmente, quando presentes as condições estabelecidas no art. 135, III, do CTN, uma vez que o mero inadimplemento da obrigação de pagar tributos não constitui infração legal capaz de ensejar a responsabilização dos sócios pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica. Precedente: (RESP nº 717.717/SP, Rel. Ministro José Delgado, julgado em 28.09.2005).
5. In casu, a execução fiscal foi ajuizada em desfavor da pessoa jurídica e dos sócios-gerentes, que constam na CDA como co-responsáveis pela dívida tributária motivo pelo qual, independente da demonstração da ocorrência de que os sócios agiram com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa, possível seja efetivado o redirecionamento da execução, incumbindo ao sócio-gerente demonstrar a inocorrência das hipóteses do art. 135, III, do CTN.
6. Agravo regimental desprovido.”
(STJ – 1ª T., AgRg no REsp nº 1.042.407/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 03.11.2008)

 

Quanto à responsabilidade mista, esta existe, como já dito, nas sociedades em comandita simples e em comandita por ações.

No caso da sociedades em comandita simples, há sócios comanditados e comanditários, que devem estar devidamente identificados no contrato social. Os primeiros (comanditados) serão sempre pessoas físicas com responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações da sociedade; os segundos (comanditários) podem ser pessoas físicas ou jurídicas, mas terão a responsabilidade limitada ao valor de suas cotas de capital.

Já as sociedades em comanditas por ações possuem sócio diretor, o qual responderá de forma subsidiária e ilimitada pelas obrigações sociais contemporâneas à época de sua gestão, enquanto os demais sócios (não diretores) respondem de forma limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Havendo mais de um sócio diretor, entre eles a responsabilidade será solidária, porém de forma subsidiária ao patrimônio da sociedade (benefício de ordem). Quando do julgamento do agravo de instrumento nº 1.094.505-4, pela 4ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que teve como Relator o Juiz Rizzato Nunes, adotou-se o entendimento de que:

 

"(...).
São solidários os sócios das sociedades em nome coletivo, os sócios comanditários em sociedade em comandita simples, os sócios de capital em sociedade de capital e indústria; os sócios ostensivos em sociedade em conta de participação e os acionistas diretores em sociedades em comandita por ações (...). Situação bem diversa é a do sócio de responsabilidade limitada (o sócio por quotas de responsabilidade limitada; o acionista nas sociedades anónimas). Nesses casos, a responsabilidade dos sócios subsiste, quer para com a sociedade, quer para com terceiros. É que a sociedade, desde que regular (assim considerada aquelas cujos atos constitutivos são levados a arquivamento na Junta Comercial) tem património distinto do património de seus respectivos sócios, devendo ela, a sociedade, responder pela próprias obrigações sociais.
(...)"
(1º TAC/SP – 4ª C., Ag. Inst. nº 1.094.505-4, Rel. Juiz Rizzato Nunes)

 

Em suma, das breves considerações expostas é possível concluir que em se tratando de proprietário empresário, a negociação sempre envolverá maiores riscos. Consequentemente, os adquirentes precisarão ter muito mais cuidado, buscando, para tanto, uma assessoria mais especializada. Convém, portanto, ao adquirente, pesquisar quantas e quais são as pessoas jurídicas em que o proprietário figura como sócio, e a partir daí solicitar toda a documentação pertinente.

Uma observação importante se refere às dívidas tributárias da sociedade. Como vimos anteriormente, há inúmeras decisões no sentido de que os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações da sociedade quando: a) agirem com excesso de poder; b) houver infração à lei ou aos estatutos sociais; e, c) no caso de dissolução irregular da sociedade. Assim, mister se faz destacar que o mero inadimplemento de obrigações tributárias não caracteriza infração capaz de justificar o redirecionamento da execução para os sócios. Nesse sentido:

 

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. MASSA FALIDA. REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO-GERENTE. ART. 135 DO CTN. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07. ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. ART. 40 DA LEI 6.830/80. IMPOSSIBILIDADE.
1. O redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa, não se incluindo o simples inadimplemento de obrigações tributárias.
2. Precedentes da Corte: ERESP 174.532/PR, DJ 20/08/2001; REsp 513.555/PR, DJ 06/10/2003; AgRg no Ag 613.619/MG, DJ 20.06.2005; REsp 228.030/PR, DJ 13.06.2005.
3. O patrimônio da sociedade deve responder integralmente pelas dívidas fiscais por ela assumidas.
4. Os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica são pessoalmente responsáveis pelos créditos relativos a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto (art. 135, inc. III, do CTN).
5. O não recolhimento de tributos não configura infração legal que possibilite o enquadramento nos termos do art. 135, inc. III, do CTN.
6. Nos casos de quebra da sociedade, a massa falida responde pelas obrigações da empresa executada até o encerramento da falência, sendo autorizado o redirecionamento da execução fiscal aos administradores somente em caso de comprovação da sua responsabilidade subjetiva, incumbindo ao Fisco a prova de gestão praticada com dolo ou culpa.
7. Revisar o entendimento a que chegou o Tribunal de origem, implicaria, necessariamente, o reexame de provas contidas nos autos, o que não é permitido em sede de recurso especial, haja vista o disposto na Súmula 07 deste eg. Tribunal.
8. O art. 40 da Lei 6.830/80 é taxativo ao admitir a suspensão da execução para localização dos co-devedores pela dívida tributária; e na ausência de bens sobre os quais possa recair a penhora.
9. À suspensão da execução inexiste previsão legal, mas sim para sua extinção, sem exame de mérito, nas hipóteses de insuficiência de bens da massa falida para garantia da execução fiscal. Deveras, é cediço na Corte que "a insuficiência de bens da massa falida para garantia da execução fiscal não autoriza a suspensão da execução, a fim de que se realize diligência no sentido de se verificar a existência de co-devedores do débito fiscal, que implicaria em apurar a responsabilidade dos sócios da empresa extinta (art. 135 do CTN). Trata-se de hipótese não abrangida pelos termos do art. 40 da Lei 6.830/80". (Precedentes: REsp 758.363 - RS, Segunda Turma, Relator Ministro CASTRO MEIRA, DJ 12 de setembro de 2005; REsp 718.541 - RS, Segunda Turma, Relatora Ministra ELIANA CALMON, DJ 23 de maio de 2005 e REsp 652.858 - PR, Segunda Turma, Relator Ministro CASTRO MEIRA, DJ 16 de novembro de 2004).
10. Agravo regimental desprovido.”
(STJ – 1ªT., AgRg no REsp nº 1.160.981/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 22.03.2010)

 

            Tendo em vista que a dissolução irregular da sociedade viabiliza a responsabilização dos sócios, cumpre ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça entende que se uma sociedade deixa de funcionar no endereço constante de seu registro na Junta Comercial, e não é possível localizá-la, será presumivelmente considerada como dissolvida de forma irregular, o que, por via reflexa, acarretará a responsabilidade pessoal dos seus sócios. Confira-se:

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS MODIFICATIVOS – EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR COM FUNDAMENTO EM CERTIDÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA – SÓCIO-GERENTE – REDIRECIONAMENTO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 135, INCISO III, DO CTN – POSSIBILIDADE.
1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração à lei, de modo a ensejar a redirecionamento da execução para a pessoa dos sócios.
2. Em matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar.
3. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, impõe-se a responsabilidade tributária do sócio-gerente, autorizando-se o redirecionamento, cabendo ao sócio-gerente provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder.
4. A empresa que deixa de funcionar no endereço indicado no contrato social arquivado na junta comercial, desaparecendo sem deixar nova direção, comprovado mediante certidão de oficial de justiça, é presumivelmente considerada como desativada ou irregularmente extinta.
5. Embargos de declaração que se acolhem, com efeitos modificativos, para anular o acórdão anteriormente proferido e, em nova análise, dar provimento ao recurso especial.”
(STJ – 2ªT., EDcl nos EDcl no REsp nº 1.089.399/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 23.10.2009)

 

            1.2.2.) Da responsabilidade dos sócios e a falência

            Tendo em vista que já foram apresentados os conceitos de empresários e de sociedades empresárias, fica fácil perceber que um dos grandes riscos na compra de imóveis de alguém que seja empresário ou sócio reside nos aspectos da falência e da recuperação judicial. A Lei nº 11.101/2005, em seu artigo 1º é expressa ao dispor que “disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.”

            Quanto aos sócios ilimitadamente responsáveis pelas dívidas das sociedades, é importante ressaltar que o artigo 190 determina que sempre que a mencionada lei se referir “a devedor ou falido”, deve-se compreender que também se aplica aos sócios ilimitadamente responsáveis.

O artigo 77 desse mesmo diploma normativo estabelece que a decretação da falência acarreta o vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis. Ademais, a decisão que decretar a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também determinará a falência deles (sócios), que ficarão sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida.

            Já com relação aos sócios de responsabilidade limitada, o artigo 82 dispõe que responsabilidade pessoal dos mesmos (sócios de responsabilidade limitada) será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo.

Uma situação muito importante é tratada pelo artigo 99, II, da Lei nº 11.101/2005, que assim dispõe:

 

Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:
(...)
II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90 (noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1o (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para esta finalidade, os protestos que tenham sido cancelados;

 

Pela referida disposição, ao decretar a falência a sentença estabelece seu termo legal, o qual poderá anteceder em até 90 dias a data: a) do pedido de falência; b) do pedido de recuperação judicial; ou, c) do 1o (primeiro) protesto por falta de pagamento. Isto significa que todos os atos praticados entre o termo legal e a decretação da falência são considerados ineficazes com relação à massa falida.

Do que decorre da leitura desse dispositivo legal, ainda que a transação imobiliária tenha ocorrido anteriormente à data do primeiro protesto, do pedido de falência, ou do pedido de recuperação judicial, poderá ser considerada ineficaz. Entretanto, é interessante ressaltar que atualmente o Superior Tribunal de Justiça tem como pacífico o entendimento de que para que a venda do imóvel seja invalidada é necessária a realização de prova concreta de que houve fraude na transação realizada dentro do período suspeito, e antes da decretação da quebra:

 

“AÇÃO REVOCATÓRIA. ART. 52, VII, DA LEI DE FALÊNCIAS. PRECEDENTES DA CORTE.
1. Como assentado na jurisprudência da Corte, inocorrendo demonstração de fraude, é eficaz em relação à massa falida a alienação de imóvel de sua propriedade ocorrida dentro do termo legal da falência, também denominado período suspeito, mas anteriormente à declaração da quebra’ (REsp n° 246.667/SP, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 14/4/03; na mesma linha: REsp n° 168.401/RS, Relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 17/2/03; REsp n° 228.197/SP, de minha relatoria, DJ de 18/12/2000).
2. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ – 3ª T., REsp nº 681.798/PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 22.08.2005, p. 271).

 

            Nessa linha de raciocínio, portanto, ainda que o imóvel seja negociado dentro do chamado período suspeito, mas antes da sentença que decreta a falência, para que a venda seja considerada ineficaz em relação à massa falida, é necessário que seja comprovada a prática de ato fraudulento (REsp n° 139.304/SP, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 23.04.2001; REsp n° 252.350/SP, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 18.12.2000; REsp n° 510.404/SP, de minha relatoria, DJ de 29.03.2004; REsp n° 246.689/SP, Relator o Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 02.04.2001; REsp n° 90.156/SP, Relator o Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 02.10.2000; REsp n° 246.667/SP, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 14.04.2003; REsp n° 168.401/RS, Relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 17.02.2003; REsp n° 228.197/SP, de minha relatoria, DJ de 18.12.2000).

 

            2. Fraude à execução e fraude contra credores

            Através da análise de vasta documentação o adquirente do imóvel busca exteriorizar a adoção de todas as cautelas para se assegurar que o proprietário: a) é capaz; b) é financeira e moralmente idôneo; e, c) encontra-se legitimado a realizar a negociação. Com isto, poderá evitar que no futuro credores busquem a anulação do negócio sob o argumento de que houve fraude.

            Tanto o artigo 391 do Código Civil, como o artigo 789 do Código de Processo Civil (art. 591 do CPC/1973) estabelecem que havendo o inadimplemento de suas obrigações o devedor responde por elas com todos os seus bens. Enquanto a soma dos bens de uma pessoa for igual ou superior ao total de suas dívidas, será considerada solvente. Por outro lado, na exata medida em que as dívidas superarem os bens, ter-se-á o estado de insolvência. Uma vez insolvente, o proprietário de imóveis não pode vender, haja vista que a venda acarretará prejuízos aos seus credores, que não encontrarão bens que sirvam como garantia de seus créditos.

            Percebe-se, assim, que aquele que adquire imóveis de pessoa insolvente se expõe ao risco de no futuro ver a desconstituição do negócio ou a penhora do respectivo bem, haja vista a possível comprovação de fraude. Frise-se que não há que se confundir o estado de insolvência com o simples fato de haver dívidas e/ou ações judiciais contra o proprietário.

            Para que se cogite a ineficácia da venda, é imprescindível que a ação existente contra o proprietário seja capaz de levá-lo à insolvência, ou ainda, que a soma das dívidas por ele contraídas ultrapassem o total de seus bens. Exemplificando, suponhamos que uma pessoa possua 03 (três) imóveis no valor de R$ 800 mil cada um, e sejam constadas execuções fiscais contra ela, cuja soma resulte em R$ 1 milhão, e um título protestado de R$ 50 mil. Esta pessoa não está impedida de vender ou doar um dos imóveis, haja vista que seu patrimônio permanecerá com os outros dois bens, cujos valores superam o valor das execuções e do título protestado. Confira-se alguns entendimentos jurisprudenciais:

 

“PROCESSUAL E CIVIL - PAULIANA (REVOCATÓRIA) - IMÓVEL - DOAÇÃO A MENOR - INSOLVÊNCIA.
I - Não caracteriza insolvência como pressuposto da revocatória, quando a prova dos autos evidencia a existência de outros imóveis os quais, suficientes para responderem pela dívidas do executado, suportam o risco que a doação de um dentre eles possa abalar-lhe o patrimônio a justificar o ajuizamento da pauliana.
II - Recurso não conhecido.”
(STJ – 3ª T., REsp nº 8.412/SP, Rel. Waldemar Zveiter, DJ 17.02.1992, p. 379)

 

“I - A jurisprudência do STJ acolheu entendimento no sentido de que a fraude a execução não se caracteriza quando, na alienação do bem, inexistir ação capaz de tornar insolvente o devedor, sendo certo ainda que o simples ajuizamento de ação, por si só, não gera fraude, pois esta somente se configurará se houver dano ou prejuízo decorrente da insolvência a que chegou o devedor com a alienação ou oneração de seus bens.
(...)”
(STJ – 3ª T., REsp nº 61.448/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 27.11.1995, p. 40.884)

 

“CIVIL E PROCESSUAL - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - INEXISTÊNCIA DE AÇÃO CAPAZ DE TORNAR INSOLVENTE O DEVEDOR - DESCARACTERIZAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO.
I - A fraude à execução não se caracteriza, quando, na alienação do bem, inexistência ação capaz de tornar insolvente o devedor. Entendimento assentado em jurisprudência do STJ.
II - Matéria de prova não se reexamina em especial (sumula n. 07 do STJ).
III - regimental improvido.”
(STJ – 3ª T., AgRg no Ag nº 30.018/RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 19.04.1993, p. 6.682)

 

            Para que a fraude seja caracterizada, necessária se faz a demonstração de três requisitos: a) anterioridade do crédito; b) consilium fraudis; e, c) eventus damni.

            A dívida do proprietário do imóvel deve ser anterior à respectiva venda. O estado de insolvência ou a possibilidade de sua ocorrência precisam ser anteriores à negociação do imóvel. Dito de outra forma, o crédito lesado já deve existir no momento em que ocorre a venda do imóvel, pois se o proprietário do imóvel vendido se tornou insolvente após a negociação, mas não em razão dela, não há que se falar em fraude.

            Além da anterioridade do crédito, exige-se, para a constatação da fraude, a demonstração de má-fé do adquirente (consilium fraudis). Ou seja, deve-se comprovar que o adquirente do imóvel, no momento da compra, sabia, ou tinha como saber, que o proprietário encontrava-se insolvente. Essa constatação é possível a partir da análise de certidões de protestos, certidões de distribuidores forenses, vendas ou doações a parentes, negociação por preço vil, certidões de dívidas tributárias, etc.

            Conforme bem entendido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, se antes de comprar o imóvel o adquirente providenciou toda a documentação necessária à verificação de que não havia impedimento à aquisição, não é possível sustentar que agiu de má-fé:

 

“EMBARGOS DE TERCEIRO - Fraude à execução - Não caracterização - Imóvel adjudicado a outro credor - Compradora que desconhecia qualquer ação - Providência de documentos de praxe, nada constando que pudesse impedir a transação - Presunção de boa-fé da adquirente não elidida - Litisconsórcio passivo necessário unitário - Recusa - Admissibilidade, a não ser entre o credor exeqüente e o devedor executado - Sentença de improcedência, parcialmente, reformada - Recurso da embargante provido, desprovido o adesivo da embargada.”
(TJ/SP – 4ª C. Dir. Púb., Ap. Cív. c/ Rev. nº 267.734-5/6-00, Re. Des. Soares Lima, julg. 20.04.2006).

 

            Do respectivo acórdão constou que:

“(...).
Para que se tenha como de fraude à execução a alienação de bens, de que trata o inciso II, do artigo 593, do Código de Processo Civil, é necessária a presença concomitante dos seguintes elementos: a) que a ação já tenha sido aforada; b) que o adquirente saiba da existência da ação, ou por já constar do cartório imobiliário algum registro, dando conta de sua existência (presunção jure et de jure contra o adquirente), ou porque o exeqüente, por outros meios, provou que do aforamento da ação o adquirente tinha ciência; e c) que a alienação ou a oneração dos bens seja capaz de reduzir o devedor à insolvência, militando em favor do exeqüente a presunção júris tantum. Não coexistindo, na hipótese, inviável falar-se em fraude à execução. Simplesmente, porque não se pode concluir que a adquirente sabia ou haveria de saber da existência da ação, porquanto nada consta, a respeito, no cartório imobiliário, nem se provou, por outros meios, que tinha ciência do aforamento da demanda.
(...).”

 

            Por fim, a identificação da fraude necessita do evento danoso (eventus damni), ou seja, a indicação do último ato praticado pelo vendedor que o levou ao estado de insolvência. É exatamente em razão desse ato que o proprietário do imóvel passou a ter o valor de suas dívidas superior ao valor de seus bens. Vale lembrar que é possível haver o evento danoso sem que tenha ocorrido a má-fé do adquirente.

            Os artigos 158, 159, 162 e 163 do Código Civil estabelecem hipóteses em que se tem como caracterizada a fraude contra credores. Vejamos, ainda que brevemente, cada uma delas:

 

“Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos”.

 

            O artigo 158 estabelece que atos de doação ou perdão de dívidas praticados pelo devedor já insolvente, ou que chegou a esse estado exatamente em razão dessas condutas, podem se anulados pelos credores prejudicados. Como a lei presume a fraude, caberá ao réu comprovar a inocorrência dos prejuízos alegados.

“Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante”.

            Este outro dispositivo, tratando de atos onerosos, dispõe que sendo o devedor insolvente, seja a insolvência notória ou passível de ser conhecida pela outra parte, os negócios podem ser anulados, devendo ser comprovada a fraude através da demonstração de seus três elementos (anterioridade do crédito, consilium fraudis e eventus damni).

“Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu”.

            Já o artigo 162 prevê que no caso de o devedor pagar um de seus credores quirografários dívida ainda não vencida, ter-se-á praticado um ato fraudulento, bastando ao credor prejudicado comprovar o evento danoso.

“Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor”.

            Por fim, o artigo 163 trata das hipóteses em que o devedor insolvente dá garantias a um credor, prejudicando direitos de outros credores.

            Já o artigo 164 do mesmo diploma legal estabelece que presumem-se de boa-fé, e portanto válidos, os negócios ordinários que forem indispensáveis à manutenção da pessoa jurídica (mercantil, rural, ou industrial), ou à subsistência do devedor e de sua família. Este dispositivo é muito importante nos casos em que construtoras em estado de insolvência vendem imóveis existentes em seus estoques. Por se tratar de negócios ordinários e indispensáveis ao estabelecimento, haverá a presunção de boa-fé, o que acaba por proteger os adquirentes.

            Importante, neste momento, distinguir a “fraude contra credores” da “fraude à execução”. O ato que se caracteriza como fraude contra credores não permite que se faça diretamente a penhora do imóvel vendido. Deverá o credor prejudicado ajuizar uma ação (pauliana ou revocatória) com o objetivo de anular o negócio (ver artigos 158, 159 e 171, II, do CC). Já no caso de fraude à execução, o ato fraudulento é considerado ineficaz para o credor que, por tal motivo, poderá requerer diretamente a penhora do imóvel nas mãos de quem quer que seja (artigos 592 e 593 do CPC). Nota-se, que no caso de fraude à execução não é necessário que o credor primeiro anule a venda do imóvel para depois requerer a sua penhora, haja vista que para ele (credor na execução) a venda é considerada ineficaz.

            Cabe observar que o fato de o vendedor figurar como executado num determinado processo não significa que se vender algum imóvel está havendo fraude. Afinal, para que isto aconteça é necessário que o referido processo de execução seja de monta capaz de causar a insolvência.

 

            3. Ação Revocatória ou Pauliana

            Da análise dos artigos 158, 159 e 171, II, do Código Civil verificamos que se o imóvel for adquirido sem os devidos cuidados, e ficar caracterizada a fraude contra credores, é possível a propositura de uma ação com o fim de anular o respectivo negócio, sendo esta demanda conhecida como Ação Revocatória ou Ação Pauliana.

            Proposta a ação pelo credor lesado, o adquirente do imóvel que ainda não tiver realizado o pagamento do mesmo ao proprietário (insolvente) poderá, se esse valor for aproximadamente o corrente, realizar o depósito nos autos. Entretanto, se o valor a ser pago ao proprietário (insolvente) for inferior ao corrente, o adquirente poderá depositar o valor real e, com isto, conservar o imóvel consigo. O adquirente deverá, ainda, promover a citação por edital de todos os interessados nesse depósito (artigo 160, CC).

            O prazo para os credores lesados ajuizarem essa ação é de 04 (quatro) anos (art. 178, II, CC), contados da dato do registro da escritura:

“DIREITO CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PAULIANA. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. REGISTRO IMOBILIÁRIO.- A decadência é causa extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado em lei, cujo termo inicial deve coincidir com o conhecimento do fato gerador do direito a ser pleiteado.- O termo inicial do prazo decadencial de quatro anos para propositura da ação pauliana é o da data do registro do título aquisitivo no Cartório Imobiliário, ocasião em que o ato registrado passa a ter validade contra terceiros. Precedentes.Agravo no recurso especial não provido.”

(STJ – 3ª T., AgRg no REsp nº 743.890/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 03.10.2005, p. 250)

 

            Em razão desse prazo de 04 (quatro) anos para a propositura da ação, é aconselhável que o adquirente de um imóvel verifique há quanto tempo o proprietário comprou o imóvel que está vendendo, pois se há menos de quatro anos, deverá pedir a documentação também referente ao(s) antecessor(es). Com esta cautela, o adquirente poderá verificar se àquela época havia algo capaz de atingir o imóvel.

 

4. Embargos de terceiro

            Do que foi visto até o momento foi possível perceber que mesmo adotando uma postura cuidadosa quando da aquisição de um imóvel, poderá o comprador ter algum problema. Há, portanto, a possibilidade de que o imóvel adquirido venha a ser penhorado em razão de dívidas de quem vendeu. Nessas hipóteses, pelo fato de o adquirente poder comprovar que comprou o imóvel com boa-fé (haja vista que tomou todos os cuidados possíveis), não há que se falar me fraude à execução ou fraude contra credores.

            Desta forma, se mesmo assim (aquisição com boa-fé) a penhora recair sobre o imóvel comprado, o novo proprietário deverá, em juízo, através dos Embargos de Terceiro, apresentar seus argumentos em defesa do bem.

            Embargos de Terceiro é o instituto processual destinado à proteção contra turbação ou esbulho na posse (bem como de outro direito real ou pessoal), decorrente de atos judiciais de constrição, como é o caso, por exemplo, de penhora, arresto, sequestro, arrecadação, inventário.). Os artigos 674 do Código de Processo Civil (ver arts. 1.046 e 1.047 CPC/1973) exemplifica alguns casos em que é possível a adoção de tal medida.

            O cabimento dos embargos exige que a constrição que atinge o imóvel decorra de uma demanda judicial em que o atual proprietário não seja parte; ou seja, deve ter sido determinada em processo alheio. Também é necessário, como já exposto, que a compra tenha sido de boa-fé, sem que se caracterize fraude contra credores ou fraude à execução.

            O atual proprietário do imóvel constritado deverá comprovar sua boa-fé através dos embargos de terceiro. Para tanto, demonstrará que: a) ao adquirir o imóvel o vendedor não era insolvente; e, b) o vendedor, quando da negociação do imóvel, não figurava no pólo passivo de nenhuma ação judicial capaz de reduzi-lo à insolvência. Com a documentação que analisou à época, o atual proprietário já tem condição de fazer as provas necessárias.

            Sobre o tema, há interessantes decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça. Vejamos algumas:

 

“TRIBUTÁRIO - EMBARGOS DE TERCEIRO - EXECUÇÃO FISCAL - FRAUDE À EXECUÇÃO - ALIENAÇÃO POSTERIOR À CITAÇÃO DO EXECUTADO, MAS ANTERIOR AO REGISTRO DE PENHORA OU ARRESTO - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO CONSILIUM FRAUDIS.
1. A jurisprudência do STJ, interpretando o art. 185 do CTN, pacificou-se, por entendimento da Primeira Seção (EREsp 40.224/SP), no sentido de só ser possível presumir-se em fraude à execução a alienação de bem de devedor já citado em execução fiscal.
2. Ficou superado o entendimento de que a alienação ou oneração patrimonial do devedor da Fazenda Pública após a distribuição da execução fiscal era o bastante para caracterizar fraude, em presunção jure et de jure.
3. Afastada a presunção, cabe ao credor comprovar que houve conluio entre alienante e adquirente para fraudar a ação de cobrança.
4. No caso alienação de bens imóveis, na forma da legislação processual civil (art. 659, § 4º, do CPC, desde a redação da Lei 8.953/94), apenas a inscrição de penhora ou arresto no competente cartório torna absoluta a assertiva de que a constrição é conhecida por terceiros e invalida a alegação de boa-fé do adquirente da propriedade.
5. Ausente o registro de penhora ou arresto efetuado sobre o imóvel, não se pode supor que as partes contratantes agiram em consilium fraudis. Para tanto, é necessária a demonstração, por parte do credor, de que o comprador tinha conhecimento da existência de execução fiscal contra o alienante ou agiu em conluio com o devedor-vendedor, sendo insuficiente o argumento de que a venda foi realizada após a citação do executado.
6. Assim, em relação ao terceiro, somente se presume fraudulenta a alienação de bem imóvel realizada posteriormente ao registro de penhora ou arresto.
7. Recurso especial improvido.”
(STJ – REsp nº 811.898/CE, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 18.10.2006, p. 233)

 

“LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMÓVEL ALIENADO E NÃO TRANSCRITO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZADA.
1. A orientação deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em relação a terceiros, é necessário o registro da penhora para a comprovação do consilium fraudis, não bastando, para tanto, a constatação de que o negócio de compra e venda tenha sido realizado após a citação do executado. Precedentes.
2. Recurso especial conhecido e provido.”
(STJ – 5ªT., REsp nº 417.075/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 09.02.2009)

 

            Esse entendimento encontra-se pacificado, conforme Súmula nº 375 do STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.”

            Enquanto a sentença não transitar em julgado, poderão ser opostos os embargos de terceiro, sendo que, se nos autos da execução, a medida deverá ser adotada em até 5 (cinco) dias contados da arrematação, adjudicação ou remição, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta (art. 1.048, CPC). Isto, contudo, não significa que após esses períodos o atual proprietário não tem o que fazer, pois poderá, pelas vias ordinárias, buscar o mesmo fim, como por exemplo, se utilizando de ação anulatória. Nesse sentido:

 

“ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO. ART. 486 DO CPC. PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA. ADEQUAÇÃO DO PEDIDO.
– A circunstância de a compromissária compradora, com título registrado, não ter feito uso dos embargos de terceiro, nem do pedido de adjudicação compulsória não a inibe de pleitear, pelas vias ordinárias, a anulação da arrematação. Agravo improvido.”
(STJ – 4ª T., AgRg no Ag nº 638.146/GO, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 03.10.2005, p. 266)

 

            Conclusão

            Do que foi sucintamente analisado é possível dizer que não há como o adquirente de um imóvel ter a certeza absoluta de que no futuro não terá aborrecimentos relacionados ao negócio. Por mais que uma pessoa se empenhe em investigar a idoneidade moral e financeira dos proprietários alienantes e seus antecessores (quando for o caso), não há como se fazer isso de maneira exauriente.

            Entretanto, tomadas as cautelas recomendadas o adquirente já consegue exteriorizar sua boa-fé, de forma que se, eventualmente, no futuro o imóvel adquirido sofrer alguma constrição relacionada a dívidas dos anteriores proprietários, poderá, através das medidas cabíveis, defender seus interesses.

 

CARLOS ALBERTO DEL PAPA ROSSI

Advogado, Especialista em Direito Processual Civil (PUC/SP), Especialista em Direito Tributário (PUC/SP), Especialista em Direito Empresarial (FGV/SP – MBA), Extensão Universitária em Direito Imobiliário (FMU), autor do livro “Introdução ao Estudo das Taxas” e de artigos publicados em revistas especializadas e eletronicamente.