Revisão contratual - Onerosidade excessiva

 

 

Introdução

 

Nosso objetivo neste trabalho é apenas analisar a possibilidade de se fazer a revisão contratual quando, no curso da vigência do contrato, a prestação para uma ou algumas das partes se tornar excessivamente onerosa.

Não pretendemos, desta forma, estudar a fundo os contratos em geral. Contudo, antes de adentrarmos o estudo do tema proposto, necessário será tecer algumas considerações gerais relacionadas aos contratos, sem que o tema seja esgotado.

 

1. Proposta e contrato

 

Em todo e qualquer caso nos parece que um contrato será sempre antecedido de uma proposta. Ainda que a aceitação se dê imediatamente, haverá uma prévia proposta do negócio. É mais comum que a aceitação de uma proposta se dê após a discussão de termos e condições relativos ao negócio, até que este se torne interessante para todos os envolvidos.

Durante esta fase de negociações preliminares, portanto, não se tem, ainda, um contrato. Discute-se, apenas, sobre o que deverá ou não constar do contrato que se pretende firmar, sem que haja qualquer tipo de obrigatoriedade. O simples fato de os interessados estarem debatendo sobre as condições e os termos de um futuro contrato não significa que têm o obrigação de firmá-lo. Não há o dever de contratar. Desta maneira, se por exemplo depois de meses de negociações e discussões objetivando a celebração de um contrato uma das partes concluir que o mesmo não lhe é adequado, pode se negar a assiná-lo, sem que lhe possa ser atribuído qualquer tipo de ônus.

Eventualmente, pode haver a responsabilidade civil pré-contratual. É possível que no curso das tratativas que objetivam a conclusão de um contrato uma das partes deixe evidente a certeza de que celebrará o contrato, levando a outra parte à realização de despesas que não teria se a certeza de contratação não fosse externada. Neste caso, embora a parte que gerou a expectativa de contratação e acarretou gastos à outra parte não tenha a obrigação de contratar, poderá ser responsabilizada pelos prejuízos que causou.

De fato, as partes devem, não só no curso do contrato, mas também antes e depois do mesmo, agir com boa-fé. O artigo 422 do CC determina que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Vale ressaltar que a  Terceira Jornada de Direito Civil  aprovou o enunciado nº 170, pelo qual “a boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.

Assim, se por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, uma parte violar direito e causar dano à outra, ainda que exclusivamente moral, cometerá ato ilícito, ficando obrigada a repará-lo (arts. 186 e 927, CC).

Não se pode confundir a negociação preliminar com a proposta. Pela primeira uma parte apenas se mostra interessada na realização de um contrato sobre um determinado negócio, analisando, estudando e discutindo os termos e as condições do mesmo, que foram levadas ao conhecimento da outra parte. Por outro lado, através da proposta o proponente faz uma oferta ao oblato apresentando as condições e os termos do negócio não mais sujeita a discussões ou alterações. Ou seja, ao oblato caberá apenas aceitar ou não o que lhe foi proposto nos moldes da oferta. A proposta é, portanto, o marco inicial para a formação de um contrato. Pela proposta o proponente fica comprometido a cumprir o que foi oferecido se, no tempo oportuno, o oblato manifestar sua aceitação.

Caso dentro do período para aceitação da proposta o oblato a aceite com a condição de ser fazer alguma alteração na mesma, tem-se, na verdade, a recusa, e, conseqüentemente, o surgimento de uma nova proposta (art. 431, CC), desta vez tendo ele, que era o oblato, como proponente.

Do que foi visto até o momento podemos dizer que uma proposta tem que atender, necessariamente, aos seguintes requisitos:

a) manifestação de vontade do proponente – o proponente oferece um negócio ao oblato;

b) força vinculante – não havendo nenhum tipo de ressalva, ou não sendo da própria natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso específico, o proponente fica obrigado a cumprir o que foi oferecido se o oblato, em tempo, aceitar a proposta que lhe foi endereçada. Se, antes de a proposta ser conhecida pelo oblato, ou simultaneamente, chegar ao seu conhecimento, a retratação do proponente, deixa de haver a força vinculante.

c) negócio receptício – a proposta só produzirá efeitos a partir do seu recebimento pelo oblato.

d) integralidade dos elementos contratuais – a oferta deve ser apresentada com todos os elementos necessários e pertinentes ao contrato que se pretende entabular, pois do contrário não tem como permitir ao oblato que manifeste sua aceitação sem qualquer tipo de vício.

Feitas estas breves considerações em torno da proposta, mister se faz uma rápida análise com relação à aceitação.

É com a aceitação da proposta que se dá a vinculação entre o proponente e o oblato. Enquanto pela proposta o proponente exterioriza sua vontade de contratar dentro de certos termos e condições, pela aceitação se dá a manifestação da vontade do oblato, que concorda integralmente com o que lhe foi oferecido. Contudo, não basta haver a aceitação, sendo indispensável que seja tempestivamente expedida ao ofertante. Pode acontecer de a aceitação ser expedida dentro do prazo, mas, por fatos imprevistos, chegar tarde ao conhecimento do ofertante. Neste caso, não há a vinculação, mas deve o proponente comunicar imediatamente tal situação ao oblato sob pena de responder por perdas e danos.

São, portanto, requisitos da aceitação:

a) forma indeterminada – a aceitação da proposta pode ser expressa ou tácita. Em regra deve ser expressa; contudo há exceções. O artigo 432 é expresso ao dispor que “se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa”. O art. 539 do CC traz um exemplo de aceitação tácita.

b) tempestividade – a proposta de negócio pode ser feita entre presentes ou ausentes; b.1.) se feita entre presentes (presença física, ao telefone, ou meio equivalente) sem prazo, a aceitação deve ser imediata; b.2.) se feita entre presentes ou ausentes com prazo, o oblato deve, tempestivamente, expedir sua aceitação; b.3.) se feita entre ausentes, sem prazo, deve ser considerada válida por tempo suficiente para chegar ao conhecimento do oblato e este, depois de analisá-la, enviar sua aceitação (prazo moral). Vale destacar que o enunciado nº 173 das Jornadas de Direito Civil dispõe que “a formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes, por meio eletrônico, completa-se com a recepção da aceitação pelo proponente.”

c) integralidade – a aceitação deve ser relativa à proposta de forma integral, sem qualquer ressalva (art. 431, CC). O oblato simplesmente adere integralmente à oferta.

Tecidos estes comentários sobre proposta e aceitação, podemos passar a analisar o momento de conclusão do contrato. Duas teorias procuram explicar o momento em que se tem formado o contrato. Pela Teoria da Informação ou Cognição o contrato se forma no momento em que o proponente toma conhecimento da aceitação por parte do oblato. A Teoria da Declaração ou Agnição se subdivide em três subteorias: a) Subteoria da declaração propriamente dita – o contrato se forma no momento em que o oblato declara sua aceitação; b) Subteoria da recepção – é no momento em que o proponente recebe a aceitação do oblato que se dá a formação do contrato; e, c) Subteoria da expedição – a formação do contrato se dá no momento em que o oblato expede sua aceitação. Como se verifica do artigo 434 do CC, nos parece ser esta a posição adotada. O próprio art. 434 do CC estabelece situações em que não se aplica a subteoria da expedição: I) se antes da aceitação ou com ela chegar ao proponente a retratação do oblato; II) se o proponente se comprometeu a esperar resposta; e, III) se a aceitação não chegar no prazo convencionado para recebimento.

Desta forma, podemos definir contrato como sendo uma espécie de negócio jurídico firmado entre duas ou mais pessoas que, de acordo com a ordem jurídica, manifestam suas vontades e estipulam as condutas que devem adotar entre si, criando, alterando ou extinguindo obrigações. O contrato funda-se, portanto, na livre manifestação de vontade das partes.

Como negócio jurídico que é o contrato deve observar os requisitos do artigo 104 do CC: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e, III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Os contratos decorrem, como visto, da autonomia da vontade exercida em todos os seus aspectos. À parte cabe contratar: a) somente se assim desejar; b) com quem quiser, salvo casos em que não seja possível a mera opção do outro contratante (ex. contratos administrativos); c) com os termos e condições que lhe forem mais adequados, podendo se utilizar dos contratos nominados (previstos na lei), ou criando outros tipos de avenças. Destaque-se que embora às partes seja possível a escolha dos termos e condições do contrato, tal liberdade não é ilimitada, pois submete-se à ordem pública. Assim, a título de exemplo, não poderá ser firmado contrato que tenha objeto contrário ao interesse público ou aos bons costumes. Vale ressaltar que há casos em que não é possível a escolha relacionada aos termos do contrato, como é o caso, por exemplo, dos contratos de adesão.

Como adiantamos no início, não objetivamos aqui estudar a fundo os contratos, razão pela qual, diante do que acabamos de ver, cremos ser possível iniciarmos o estudo sobre a revisão contratual por onerosidade excessiva.

 

2. Força vinculante dos contratos

 

A legislação estrangeira, como por exemplo o Código Civil Francês (1934) e o Código Civil Italiano (1872), já veiculava o princípio da força obrigatória dos contratos, estabelecendo que os pactos livremente entabulados entre as partes tinham força de lei. Por tal princípio, os contratos são definitivos, cogentes (de aplicação absoluta) e intangíveis (imodificáveis unilateralmente).

Como às partes era dada a liberdade de escolha, entendia-se que uma vez firmado o contrato, este deveria ser cumprido tal como avençado, não podendo ser alterado ou revogado senão de comum acordo. Pouco importava se após a contratação algum fato tornava difícil ou impossível o cumprimento do que foi contratado. As partes deveriam cumprir aquilo pelo qual se obrigaram (pacta sunt servanda).

Podemos dizer que o marco inicial da revisão dos contratos por onerosidade excessiva foi a Primeira Guerra Mundial, pois foi esta a primeira vez que fatores externos dificultaram, e muito, para que alguns honrassem com as obrigações assumidas. De fato, com esse episódio, muitas pessoas ficaram involuntariamente impossibilitadas de cumprir suas prestações, principalmente quando o adimplemento envolvia o transporte de mercadorias de um país para outro.

Começou-se a entender que todos os contratos tinham, implicitamente, a cláusula “rebus sic stantibus”. Ou seja, o contrato faz lei entre as partes “enquanto as coisas estiverem assim” – se a prestação não se tornar excessivamente onerosa para uma das partes. Dito de outra forma, enquanto às partes fossem mantidas as mesmas condições e demais circunstâncias presentes no momento da contratação, o contrato seria lei entre elas. Deu-se, portanto, uma mitigação do princípio “pacta sunt servanda”.

Da mesma forma que o princípio da autonomia da vontade teve força para sustentar a força obrigatória dos contratos, teve para legitimar a sua mitigação. Afinal, certamente se a parte tivesse conhecimento que ocorreria aquele fato e sua prestação se tornaria tão mais gravosa, não manifestaria sua vontade de contratar.

No Brasil, pouco tempo após o fim da Primeira Guerra Mundial (Julho de 1914 a Novembro de 1918) passava a vigorar o Código Civil (1.916) que não tratava desse assunto; não havia nenhuma previsão relacionada à possibilidade de revisão dos contratos por onerosidade excessiva. Para que houvesse aceitação da possiblidade de revisão contratual por onerosidade excessiva, foi introduzido um requisito: a imprevisibilidade. Assim, no Brasil, para a revisão de um contrato por onerosidade excessiva, além do “rebus sic stantibus” era necessário que tal alteração fática decorresse de um acontecimento imprevisível.

O Código de Defesa do Consumidor foi o primeiro diploma legal a tratar da revisão contratual por onerosidade excessiva, estabelecendo como direito básico do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (art. 6º, V). Para as relações de consumo, portanto, não havia dúvidas da possibilidade de se realizar a revisão contratual quando fossem estabelecidas cláusulas desproporcionais ou quando por acontecimentos futuros as prestações se tornassem excessivamente onerosas.

O Código Civil de 1916, por outro lado, como dissemos, não tratava expressamente do tema. Era possível, com base noutras disposições, chegar à conclusão de que a revisão era admissível. Daí o surgimento de uma teoria defendendo a revisão dos contratos quando as prestações, para uma das partes, se tornassem excessivamente onerosas em razão de fato ulterior e imprevisível. O Superior Tribunal de Justiça, antes do Código Civil de 2002 já reconhecia a possibilidade de revisão contratual: “Teoria da imprevisão. Aplicabilidade, mesmo a míngua de texto expresso, posto que exigência da equidade. Necessidade, entretanto, de que se apresentem todos seus pressupostos. Entre eles, o de que os fatores imprevisíveis alterem a equivalência das prestações, tal como avaliadas pelas partes, dai resultando empobrecimento sensível para uma delas com enriquecimento indevido da outra” (REsp nº 5.723/MG).

Atualmente, o Código Civil é expresso ao dispor em seu artigo 478 que “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”. Note-se que referida disposição (caput) não cuida da revisão do contrato, mas sim de sua resolução.

Analisemos este dispositivo para sua melhor compreensão a partir do estudo dos requisitos.

- “nos contratos de execução continuada ou diferida” – contrato de execução continuada é aquele cujo cumprimento do avençado se dá através de prestações durante um determinado espaço de tempo, como por exemplo a compra de um veículo a ser pago em 36 (trinta e seis) parcelas mensais; contrato de execução diferida é aquele que deve ser cumprido em data futura, ou seja, tempos após a contratação, como por exemplo a aquisição da próxima colheita de milho, o contrato é concluído e a partir de então o agricultor fará o plantio e aguardará a colheita, para que só a partir de então sejam cumpridas as obrigações assumidas. O contrato deve ser da classe dos comutativos (as partes conhecem os sacrifícios e as vantagens, pois as obrigações são certas e determinadas), pois nos contratos aleatórios o risco é inerente ao negócio. Excepcionalmente, um contrato aleatório pode ser objeto de revisão, contudo somente na parte em que não se tratou do risco, como por exemplo a revisão de cláusula que envolve a correção do valor da prestação a ser paga pelo segurado num contrato de seguro de veículo.

- “se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa” – para que seja possível a resolução do contrato deve ficar demonstrada a onerosidade excessiva para pelo menos uma das partes contratantes. Por onerosidade excessiva não se deve entender a impossibilidade de cumprimento. Não é necessário que a parte para a qual a prestação se tornou muito mais onerosa fique incapacitada de cumprir o contratado. Basta a demonstração de que houve excessivo agravamento do ônus assumido, de forma a lhe provocar um grande prejuízo em favor da outra parte que terá um ganho muito desproporcional. Pequenas perdas não autorizam o uso do dispositivo. Não há critério legal para a aferição do que é ou não excessivamente oneroso.

- “com extrema vantagem para a outra” – enquanto uma das partes sofrerá uma grande perda, a outra obterá extrema vantagem. É o empobrecimento de uma das partes em benefício da outra. De um lado um contratante sofrerá um grande prejuízo se cumprir aquilo que assumiu, e de outro um contratante enriquecerá. Pelo enunciado nº 365 das Jornadas de Direito Civil “a extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena”.

- “em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis” – além de o artigo 478 do Código Civil exigir a onerosidade excessiva para uma das partes, e a extrema vantagem para a outra, estabelece que tais circunstâncias devem ter como foco de origem um evento posterior à contratação, que naquele momento (contratação) não era previsível e nem poderia ser considerado como sendo comum. Desta forma, é preciso que no momento da contratação às partes não fosse possível prever que no futuro determinado fato, incomum, poderia acarretar graves prejuízos para uma e extremos ganhos para outra. Pelo enunciado nº 366 das Jornadas de Direito Civil, entendeu-se que “o fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente e pelos riscos próprios da contratação”.

- “poderá o devedor pedir a resolução do contrato” – estando presentes todos os requisitos, a parte pode requerer ao juiz a resolução da avença. Pensamos que o artigo 478 do CC não obriga a parte que sofre o agravamento excessivo de sua prestação a pedir a resolução do contrato. De fato, se assim desejar, ela “pode”, mas se preferir estará autorizada a requerer apenas a revisão do contrato para que as prestações voltem a ser equilibradas, tal como eram no momento da conclusão do contrato. Caso prefira pedir a resolução do contrato, à outra parte é facultado obstá-la mediante a manifestação de sua vontade no sentido de modificar as condições do contrato de forma eqüitativa (art. 479). Com efeito, o atual Código Civil traz outras disposições legais que permitem a mitigação do artigo 478. Os princípios da boa-fé e da função social dos contratos nos parecem autorizar o juiz, por exemplo, a repartir o prejuízo entre ambas as partes. Pensamos que sempre que possível, o artigo 478 deve levar à revisão do contrato. O enunciado nº 176 das Jornadas de Direito Civil dispõe que “em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual”.

- “Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação” – atendidos os requisitos do artigo 478 do Código Civil as conseqüências podem ser imediatas e mediatas. Conseqüência imediata: a parte poderá pedir a resolução do contrato, sendo que os efeitos da sentença retroagirão à data da citação. Tanto a doutrina como a jurisprudência entendem que antes da resolução deve-se buscar a revisão do contrato. Isto por força dos princípios da conservação dos contratos, da função social, e da boa-fé. Conseqüência mediata: requerida a resolução do contrato por uma das partes, a outra poderá evitá-la desde que se ofereça para modificar eqüitativamente as condições entabuladas.

Para que seja evitada a resolução do contrato pela parte que se beneficia com o fato imprevisível e extraordinário, deve ela (ré na ação proposta pela parte que deseja a resolução do contrato) apresentar reconvenção, pois assim o juiz poderá conhecer do seu pedido. Pensamos que mesmo através da própria contestação é possível o juiz conhecer do pedido da ré, pois a matéria ventilada (relativa à manutenção do contrato com a modificação eqüitativa das condições) está relacionada ao princípio da função social do contrato, e, desta maneira, é de ordem pública (art. 2.035, par. ún., CC), podendo ser conhecida de ofício. O enunciado nº 367 das Jornadas de Direito Civil predica que “em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo eqüitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório”.

No caso de mora do devedor, há quem entenda não ser possível a aplicação do artigo 478, pois quem está em mora teria assumido os respectivos riscos. Acreditamos que mesmo em mora o artigo 478 do CC tem aplicabilidade. Contudo, é necessário que a mora decorra exclusivamente do evento imprevisível e extraordinário que acarretou a onerosidade excessiva, devendo a parte lesada demonstrar sua boa-fé através da efetivação de depósitos judiciais calculados de forma a estabelecer uma situação de equilíbrio entre as partes.

 

Conclusões

 

Diante do que pudemos analisar chegamos às seguintes conclusões:

a) as negociações que antecedem a apresentação de uma proposta não têm força para obrigar nenhuma das pessoas envolvidas;

b) o fato de pessoas discutirem sobre termos e condições para um futuro contrato não implica o dever de contratar;

c) a exteriorização da certeza de contratar por uma das partes que, por tal motivo, acarretar despesas para a outra poderá implicar perdas e danos;

d) todo contrato é precedido de uma proposta;

e) a proposta pode ser feita entre presentes ou entre ausente, com ou sem prazo para aceitação; e.1.) entre presentes sem prazo só pode ser aceita de imediato; e.2.) feita com prazo para aceitação, esta deve ser expedida ao proponente dentro do prazo convencionado; e.3.) entre ausentes sem prazo para aceitação, deve-se considerar prazo suficiente para ser recebida, analisada e enviada a resposta (prazo moral);

f) se antes ou juntamente chegar a retratação do proponente, a proposta perde a validade;

g) a proposta só obriga o proponente, se o contrário não resultar dos seus termos, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso;

h) se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este deve comunicar imediatamente o aceitante, sob pena de responder por perdas e danos;

i) a aceitação expedida fora do prazo ou com qualquer tipo de alteração importará nova proposta;

j) se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa;

k) considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante;

l) os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, salvo se antes ou com ela chegar a retratação do aceitante, se o proponente se comprometeu a esperar resposta, ou se a aceitação não chegar no prazo convencionado;

m) o artigo 478 do CC permite a resolução do contrato de execução diferida ou continuada quando, por força de fato imprevisível e extraordinário, a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, trazendo extrema vantagem para a outra;

n) o artigo 478 do CC deve conduzir inicialmente à revisão contratual e não a resolução da avença;

o) a parte que obtém a extrema vantagem pode evitar a resolução do contrato oferecendo-se para alterar as cláusulas contratuais de forma a restabelecer o equilíbrio.

 

CARLOS ALBERTO DEL PAPA ROSSI

Advogado, especialista em Direito Tributário (PUC/SP), especialista em Direito Processual Civil (PUC/SP), MBA com ênfase em Direito Empresarial (FGV/SP), Extensão Universitária em Direito Imobiliário (FMU), autor do livro “Introdução ao Estudo das Taxas” e de artigos publicados em revistas especializadas e eletronicamente.