ISS - Critério Espacial

 

Carlos Alberto Del Papa Rossi

 

       1. Intróito

 

       Muito se debateu – como ainda se debate – sobre o critério espacial da regra-matriz de incidência tributária do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

A doutrina não é unânime; ou se entende que deve prevalecer a ficção constante do Decreto-Lei nº 406/68 (art. 12, a), ou que referida ficção jurídica é inconstitucional.

Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha pacificado seu entendimento decidindo que o ISS é devido no local em que o serviço é prestado, alguns doutrinadores não concordam com este posicionamento, razão pela qual, sem pretendermos colocar fim aos debates em torno do tema, expomos nosso pensar, sendo que, para demonstrarmos nossa conclusão, primeiramente teceremos breves considerações sobre alguns  princípios constitucionais e sobre a competência tributária para, após, falarmos do critério espacial do ISS.

        2. Breves notas sobre alguns princípios constitucionais

       A Constituição Federal de 1.988, diferentemente da maior parte das constituições estrangeiras, ao disciplinar o Sistema Tributário Nacional, cuidou minuciosamente do assunto, veiculando inúmeras regras que quase esgotam a matéria na seara tributária. Isto faz com que, muitas vezes, o ente político-constitucional, ao exercer a competência tributária que lhe foi outorgada, não tenha mais o que fazer além de simplemente proceder à mera reprodução do que já se encontra estabelecido na Lei das leis.

Versando sobre a questão, Paulo Ayres Barreto, destacando que a cada Constituição Federal o disciplinamento das relações jurídicas tributárias fica mais pormenorizado, predica: “Não raro, busca o legislador constituinte ‘resolver’ acirradas disputas doutrinárias, travadas sob a égide de sistemas anteriores, com a inserção de preceitos constitucionais que teriam o condão de encerrar as controvérsias. Com isso, a cada nova ordem jurídica instalada sobressai o crescente número de dispositivos contemplados na Constituição, voltados à regulação de relações jurídicas tributárias”.[1]

       Apesar de o Código Tributário Nacional conter inúmeras regras de Direito Tributário recepcionadas pela Constituição Federal, entendemos que, justamente em razão do detalhamento do Texto Magno, o ponto de partida do estudo do Direito Tributário, tal como bem adverte Roque Antonio Carrazza,[2] deve ser a Carta Magna, pois nela se encontram os princípios cujos efeitos irradiam sobre todo o campo da tributação.

       Como fundamento de validade de todas as normas jurídicas, a Constituição Federal deve ser, além do marco inicial do estudo do Direito Tributário, interpretada de forma abrangente, ou seja, conjuntamente com todas as normas existentes em seu bojo, principalmente com os princípios magnos, pois desta forma é possível eliminar aparentes contradições.

Estamos convictos de que todos os preceitos trazidos pela Constituição Federal são de extrema importância; no entanto, os mais relevantes, por irradiarem efeitos sobre todas as demais normas, inclusive as constantes da própria Constituição, são os princípios constitucionais. Na lição do mestre, “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. (…). Evidentemente, os princípios são encontráveis em todos os escalões da ‘pirâmide jurídica’. De fato, há princípios constitucionais, legais e até infralegais. Dentre eles, os constitucionais, sem dúvida alguma, são os mais importantes, já que sobrepairam aos outros princípios e regras (inclusive às contidas na Lei Máxima)”.[3]

É vasta a quantidade de princípios constitucionais tributários; considerando o tema em pauta, ater-nos-emos àqueles mais relacionados, apenas suficientes para embasar nossa conclusão.

 2.1. Princípio da legalidade

               A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II, estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Entendemos que este dispositivo, por si só, basta para impedir que o Estado exija dos legislados um tributo que não tenha sido legalmente previsto. Outrossim, no artigo 150, inciso I, a Constituição Federal, especificamente no campo da tributação, estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

       Nenhum contribuinte pode ser coagido a recolher valores correspondentes a um determinado tributo ou a cumprir um dever instrumental tributário se não houver uma norma jurídica válida que assim exija.

Não basta que o ente político, no exercício de sua competência tributária, edite uma lei instituindo um tributo. Referida lei deverá observar as regras constitucionais e trazer todos os elementos que integram a regra-matriz de incidência tributária, dentre os quais o critério espacial, bem como descrever exatamente o fato objeto da tributação e a relação jurídica decorrente da sua materialização.

        2.2. Princípio da territorialidade da tributação

        Implícito na Constituição Federal, o princípio da territorialidade impede que a legislação de um determinado ente político-constitucional produza efeitos fora dos seus limites geográficos, ou seja, as normas jurídicas editadas não podem incidir sobre eventos ocorridos dentro do território de outros entes políticos.

       Destarte, a norma jurídica tributária do Município X não pode irradiar efeitos dentro do território do Município Y.

        2.3. Princípio da autonomia municipal

        Os artigos 29 e 30, da Constituição Federal, albergando o princípio da autonomia municipal, impedem que os Municípios tenham sua autonomia violada por normas infraconstitucionais.[4]

       Da leitura dos referidos artigos 29 e 30, notamos que o Município, além de governado por Prefeito eleito livremente pelos munícipes, é dotado de Poder Legislativo próprio, competente para expedir textos legais, sempre observando as diretrizes constitucionalmente fixadas. Destarte, nenhuma lei que não seja advinda do seu Poder Legislativo tem força para regular assuntos de interesse local.

       Dentro dessa atividade legislativa, o Município, respeitando as regras de estrutura existentes, pode inovar a ordem jurídica municipal exercendo sua competência tributária, ou seja, está habilitado pelo sistema a expedir diplomas legais instituidores de impostos (delineados no artigo 156, da Constituição Federal), taxas e contribuições de melhoria. Sua legislação tributária, estando em consonância com a Lex Suprema, sobrepõe-se a qualquer norma tributária da União, do Estado em que está situado, bem como de qualquer outro Município.

        3. Competência Tributária

 Ao instituir um tributo, o ente político-constitucional o faz por intermédio de lei, ou seja, inova o ordenamento jurídico obedecendo as normas de estrutura vigentes, sendo que estas podem ser encontradas em todos os níveis: na Constituição Federal, Leis Complementares, Ordinárias etc.

       A competência tributária foi diretamente delineada pela Constituição Federal; o Texto Magno não instituiu tributos, mas ocupou-se da respectiva discriminação detalhada, ou seja, especificou qual ente político-constitucional é competente para instituir cada uma das espécies tributárias descritas, traçando, ainda que algumas vezes de forma implícita, todos os arquétipos.

Comungamos do entendimento de que, estando desenhada no corpo da Carta Constitucional, a competência tributária não pode ser alterada por legislação de grau inferior. A competência tributária é a habilitação constitucional de um ente político para exercer atividade legislativa e, segundo as normas de estrutura vigentes, criar tributos, o que abrange o regramento das atividades administrativas de fiscalização e arrecadação.

Essa competência para inovar a ordem jurídica instituindo tributos é privativa da pessoa para a qual a Constituição a outorgou, excluindo, conseqüentemente, a de qualquer outra. No magistério do saudoso Geraldo Ataliba: “quem diz privativa, diz exclusiva, quer dizer: excludente de todas as demais pessoas; que priva de seu uso todas as demais pessoas. A exclusividade da competência de uma pessoa implica proibição peremptória, erga omnes, para exploração desse campo”.[5]

       Para Roque Carrazza, competência tributária é a aptidão para legislar criando, “in abstracto”, tributos, descrevendo suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas.[6]

       Como vimos ao discorrermos sobre alguns dos vários princípios constitucionais tributários, a Constituição Federal, regulando o Sistema Tributário Nacional, foi extremamente minuciosa, caracterizando-se como exaustiva. Paulo Ayres Barreto assevera: “minudente é a nossa Lei das leis na definição, delimitação e outorga de competência tributária. De outra parte, exige o Texto Excelso extremo zelo por parte dos legisladores infraconstitucionais de cada ente político, no exercício das competências outorgadas, sob pena de invasão de competência alheia. Os enunciados prescritivos que versam a competência tributária atribuída aos entes políticos (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal) conformam as normas de estrutura adrede referidas”.[7]

       Desta maneira, quando do exercício de sua competência tributária, o ente político-constitucional competente deve trilhar pelo caminho traçado pelo Texto Supremo, sob pena da respectiva legislação instituidora do tributo padecer por inconstitucionalidade.

É importante ressaltar que o ente competente para legislar instituindo tributos não está autorizado a fazê-lo como bem entender, pois ao mesmo tempo em que a Constituição Federal outorgou competência tributária, delimitou-a, devendo ser integralmente respeitada.

        4. Competência para a instituição do ISS

 Dentre as espécies tributárias previstas na Constituição Federal de 1988, encontramos os impostos, passíveis de instituição por todos os entes políticos, de acordo com a competência tributária constitucionalmente traçada.

Distribuindo competência tributária, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 156, inciso III, outorgou aos Municípios competência para a instituição do Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza – ISS. Dessa disposição constitucional notamos que toda prestação de serviço que não se caracterize como de comunicação ou transporte interestadual e intermunicipal pode ser tributada pelos Municípios através do Imposto Sobre Serviços – ISS.

        5. Critério Espacial

              Paulo de Barros Carvalho, lecionando acerca do tema, escreveu que “os elementos indicados da condição de espaço, nos supostos das normas tributárias, hão de guardar uma dessas três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de colaboração do critério espacial da respectiva hipótese de incidência: a) hipóteses cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipóteses em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; c) hipóteses de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares”.[8]

Cada um dos entes políticos-constitucionais recebeu – do Texto Supremo – competência para instituir determinados tributos, o que, pelo princípio da territorialidade, não pode ser feito para alcançar fatos tributários ocorridos fora dos limites geográficos do ente tributante.

       A competência tributária para a instituição do Imposto Sobre Serviços  foi expressamente outorgada aos Municípios, de sorte que, por força do implícito Princípio da Territorialidade da Tributação, bem como pelo Princípio da Autonomia dos Municípios, só poderão tributar as prestações de serviços ocorridas dentro de seu território.

O Brasil possui mais de cinco mil Municípios, todos habilitados à instituição de imposto que tenha como materialidade a prestação de serviços de qualquer natureza que não se caracterizem como transporte interestadual e intermunicipal ou comunicação. Conseqüentemente, todos poderão legislar criando referido imposto – ISS – o qual, como bem observou Cléber Giardino, não é um só, havendo tantos “quantas forem as distintas leis ordinárias municipais que concretamente tenham exercido idêntica (em conteúdo) competência recebida do Texto Constitucional”.[9] Denota-se a possibilidade de algum Município, desobedecendo o disposto na Constituição Federal, instituir o ISS conflitando com a competência de outro.

O Decreto-lei n°. 406/68, visando a impedir o surgimento de conflitos de competência entre os Municípios quando da criação do ISS, estabeleceu, em seu artigo 12, incisos a e b, que, verbis:

 “Art. 12 – Considera-se local de prestação dos serviços:

a) o do estabelecimento prestador ou na sua falta, o do domicílio do prestador;

b) o local da obra, no caso de construção civil.”

        Nota-se que referida disposição traz uma ficção jurídica, ou seja, para estabelecer uma certeza jurídica, com a pretensão de inviabilizar conflitos entre as competências municipais, criou uma situação em que nem sempre resplandecerá a realidade.[10] Da referida disposição, inconstitucional em nosso pensar, percebe-se que não importa o local onde o serviço é efetivamente materializado, pois deve ser considerado como o sendo no local em que o prestador possui seu estabelecimento, ou, na falta deste, onde estiver domiciliado, salvo nos casos de serviços de construção civil.

Desta forma, se um prestador de serviços possui seu estabelecimento prestador no Município “X” e presta serviços no Município “Y”, aos cofres do primeiro, segundo ao artigo 12, a, do Decreto-lei 406/68, deverá recolher o valor correspondente ao respectivo imposto – ISS. Nos termos do artigo 11, § 3º, da Lei Complementar n.º 87/96, “estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias”; no seu inciso I, dispõe que “na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação”. Entendemos por estabelecimento prestador o local próprio ou de terceiro onde se encontram todas as coisas (máquinas, equipamentos, materiais, móveis, veículos etc.) necessárias à atividade habitual do prestador de serviços, ainda que outro seja o local em que se encontra a gerência e a administração.

Com a devida vênia dos que pensam em sentido oposto,[11] comungamos do entendimento de que o artigo 12, a, do Decreto-lei n.º 406/68 não se coaduna com a Constituição Federal. Isto porque, considerados os princípios da autonomia municipal e da territorialidade da tributação, o Município recebeu competência para legislar instituindo o imposto sobre serviços incidente sobre aqueles prestados única e exclusivamente dentro do seu território, de sorte que a lei infraconstitucional, ainda que a pretexto de dirimir conflitos de competência, não pode trazer uma ficção jurídica que desrespeite tais preceitos.

Assim, acreditamos que a lei não pode definir como local em que o serviço é prestado aquele onde se encontra o estabelecimento prestador. Deveras, isto só é aceitável quando há coincidência entre o local da prestação e a localidade do estabelecimento prestador. Do contrário teremos a lei infraconstitucional rasgando os princípios constitucionais para dizer que a lei tributária de um Município pode irradiar seus efeitos sobre os fatos jurídicos tributários ocorridos dentro dos limites geográficos de outro, o que é inadmissível.

A Constituição Federal, detalhada como é, não deixou margem para que um Município, ao legislar instituindo o ISS, estabeleça normas que conflitem com a competência de outro. Ou seja, se os comandos constitucionais forem integralmente obedecidos pelos legisladores municipais, nunca haverá os conflitos de competência que o Decreto-lei nº 406/68 pretendeu, equivocadamente, inviabilizar; na eventualidade da ocorrência de algum, por inobservância do legislador ordinário, caberá ao Poder Judiciário resolvê-lo à luz da competência tributária municipal e dos princípios da territorialidade da tributação e da autonomia municipal.

Caso o Poder Legislativo de um determinado Município elabore uma lei que institua o Imposto Sobre Serviços para que este alcance fatos tributários ocorridos fora do respectivo limite geográfico, a norma não conseguirá regressar perfeitamente à norma fundamental, tendo sua validade comprometida, tal como é o caso do Decreto-lei 406/68.

Com a coerência que lhe é peculiar, Aires F. Barreto asseverou que “a evitação da pluralidade de incidências se dá porque a Constituição, pelo prestígio de um critério territorial, circunscreve o perímetro da eficácia das leis ao território de cada um dos entes que receberam idêntica competência tributária. É o critério do ‘situs’, que consiste em limitar a irradiação da eficácia da lei ao território do ente considerado (Estado-membro, Distrito Federal, Município)”.[12]

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, julgando os Embargos de Divergência n.º 168.023/CE, pacificou seu entendimento no sentido de que o montante referente ao Imposto Sobre Serviços deve ser recolhido aos cofres do município em que é materializada a prestação do serviço, pouco importando a localidade do estabelecimento:

 

“TRIBUTÁRIO. ISS. FATO GERADOR. MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA PARA EXIGIR O TRIBUTO.

1. O município competente para exigir o ISS é aquele onde o serviço é prestado.

2. Precedentes.

3. Recurso conhecido e rejeitado.”[13]

 

Quando do julgamento dos Embargos de Divergência n° 130.792/CE, o posicionamento supra foi reiterado, verbis:

 

“Embargos de Divergência. ISS. Competência. Local da Prestação de Serviço. Precedentes.

I – Para fins de incidência do ISS – Imposto sobre Serviços – importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se revele o teor do art. 12, alínea ‘a’ do Decreto-Lei nº 406/68.

II – Embargos rejeitados.” [14]

 

       Referida decisão, apesar de ainda não haver declaração pela Suprema Corte, reconhece a inconstitucionalidade do artigo 12, a, do Decreto-lei n°. 406/68. A norma em comento consta do ordenamento jurídico, vez que não foi excluída por outra norma jurídica válida; mesmo assim a Eg. Corte Especial de Justiça entendeu que para a tributação por ISS importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se revele o teor do art. 12, alínea ‘a’ do Decreto-Lei nº 406/68; essa fundamentação está em total sintonia com o princípio da territorialidade da tributação. Ou seja, em razão do que disciplina a Carta Constitucional, o disposto no artigo 12, a, do Decreto-lei n°. 406/68, por trilhar em sentido oposto, não pode irradiar efeitos.

       Nosso sentir encontra-se escorado no entendimento de juristas de renome, dentre os quais citamos Aires F. Barreto que, nas conclusões de trabalho específico, destacou com o brilhantismo que lhe é característico: “1. O âmbito de eficácia de lei instituidora de ISS esgota-se nos limites do território do Município. 2. O ISS só pode ser considerado devido no local em que os serviços forem prestados. (…). 5. As decisões do Colendo Superior Tribunal de Justiça entendendo devido o ISS no local da prestação dos serviços – que reputamos incensuráveis – implicam, rigorosamente, considerar inconstitucional o art. 12, letra ‘a’, do Decreto-lei 406/68”.[15] No mesmo sentido Roque Carrazza predica: “a Constituição traçou a regra-matriz de todos os tributos. Esta regra-matriz – que vincula o Poder Legislativo das várias pessoas políticas – indica, dentre outras coisas, o aspecto espacial possível da hipótese de incidência de cada exação (ou seja, os limites do aspecto espacial da hipótese de incidência dos tributos). O postulado vale também para o ISS. De acordo com a Constituição, este imposto só pode alcançar os serviços de qualquer natureza (exceto os referidos no art. 155, II, da CF) prestados no território do Município tributante. Por quê? Porque nosso Estatuto Magno adotou um critério territorial de repartição das competências impositivas que exige que a única lei tributária aplicável seja a da pessoa política em cujo território o fato imponível ocorreu”.[16]

       Nem se cogite que esse posicionamento viabiliza conflito de competência municipal quando o serviço for prestado em mais de um Município.[17] O Imposto Sobre Serviços só incide sobre atividade-fim.

Imaginemos o seguinte exemplo: uma empresa “E”, devidamente estabelecida na cidade de Barueri, presta serviços de veiculação de material publicitário em outdoors e backlights instalados no Município de São Paulo. As folhas e as placas acrílicas que são fixadas nos referidos painéis – outdoors e backlights – são confeccionadas no estabelecimento prestador da empresa “E”, ou seja, em Baruerí. Indiscutível que a veiculação desses materiais de conteúdo publicitário se dá dentro do Município de São Paulo, pouco importando o local em que o material é preparado. Tampouco tem relevância, para a tributação pelo ISS, o local em que se encontra o estabelecimento prestador, pois, como narrado no exemplo, a prestação se concretiza dentro do território do Município em que são veiculados os materiais propagandísticos, legitimando-o,[18] portanto, para a exação.

Vejamos um outro exemplo, apenas para melhor ilustrar o que se expõe: um sujeito “S” está domiciliado em São Paulo e é o proprietário de uma valiosa e antiga peça de arte, a qual deseja restaurar para exibi-la num evento qualquer. Para tanto, consulta a empresa “E”, com oficina em Campinas, especializada em tal espécie de restauração, sobre a viabilidade de tal serviço, solicitando um orçamento prévio. Um funcionário da referida empresa se desloca ao Município de São Paulo, examina a peça, assegura a possibilidade de sua restauração e fornece um orçamento. O sujeito “S” contrata referida empresa para restaurar sua peça de arte, a qual é levada para a oficina em Campinas, local em que é realizada a restauração. Finda a atividade contratada, a empresa “E” entrega a peça ao seu dono em sua casa no Município de São Paulo. Com efeito, o serviço contratado e passível de tributação pelo ISS foi a restauração da peça de arte, o que foi efetivamente realizado na oficina no Município de Campinas, devendo aos respectivos cofres ser recolhido o valor correspondente ao ISS, ainda que para a prestação do serviços a empresa “E” tenha examinado, retirado e entregue a peça no Município de São Paulo pois, como dissemos, o ISS não incide sobre atividades-meio. Como destacou Aires F. Barreto, “para não incorrer em erro na definição do local em que é devido o ISS, é de mister distinguir entre atividades-meio e serviço-fim”.[19]

       Por fim, posicionamo-nos no sentido de que, ante os princípios da autonomia municipal e da competência tributária, nenhuma legislação complementar está autorizada a dispor sobre a tributação municipal por ISS, vez que é vedado o disciplinamento de matéria de competência exclusiva municipal.

        6. Conclusão

        A Constituição Federal fixou que os Municípios são entes autônomos e detentores de competência para, instituindo o ISS, tributarem todos os serviços – exceto os de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação – que forem prestados nos respectivos limites territoriais.

A instituição do ISS é de competência exclusiva dos Municípios, decorrendo detalhadamente da Constituição Federal, cujo teor não deixou margem para o surgimento de conflitos, sendo desnecessária qualquer legislação complementar com finalidade de evitá-los. A instituição do ISS nos trilhos do que foi previsto pelo Texto Supremo não enseja o surgimento de conflitos.

       O artigo 12, a, do Decreto-lei n° 406/68, ao dispor que o serviço é considerado prestado no território do Município em que o prestador de serviços possui seu estabelecimento, ou domicílio, criou uma ficção jurídica que entra em choque com o norte traçado pela Carta Constitucional, acarretando sua inconstitucionalidade.

       Somente o Município em cujo território se deu a prestação do serviço está legitimado a exigir o respectivo imposto, ainda que de forma contrária estabeleça o art. 12, a, do Decreto-lei n°. 406/68, pois sua competência não decorre deste, mas sim da Constituição Federal.

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[1] Imposto sobre a renda e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2001. p. 37.

[2] Curso de direito constitucional tributário. 11ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. p. 253.

[3] Ob. cit. p. 31.

[4] “…, a autonomia municipal não é uma cláusula pétrea. O Congresso Nacional, no exercício de seu poder constituinte derivado, pode, querendo, aprovar emenda constitucional que venha a diminuir ou, mesmo, a eliminar a autonomia dos Municípios.”. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso … cit. p. 113.

[5] Sistema constitucional tributário brasileiro. 1ª ed. São Paulo: RT, 1966. p. 106.

[6] Curso … cit. p. 302.

[7] Imposto … cit. p. 50.

[8] Curso de direito tributário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 174.

[9] ISS – competência municipal e o art. 12 do decreto-lei 406. Separata da Resenha Tributária, Excerto da Seção Imposto sobre a Renda, n.º 32/84, p.723 – citado por Aires F. Barreto em ISS – conflitos de competência. Tributação de serviços e as decisões do STJ. RDDT n.º 60, São Paulo: Dialética, 2000, p. 10.

[10] Na lição de José Eduardo Soares de Melo, ficção jurídica é a “instrumentalização (criação legal) de uma situação inverídica (falsa), de forma a impor uma certeza jurídica, consagrando uma aparente realidade (jurídica), ainda que não guarde consonância com a natureza das coisas, ou mesmo que modifique títulos ou categorias de direito”, Aspectos teóricos e práticos do iss. São Paulo: Dialética, 2000. p. 110.

[11] Entre outros: MACHADO, Hugo de Brito. Local da ocorrência do fato gerador do iss. RDDT n°. 58. São Paulo: Dialética, 2000. p. 45. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. DERZI, Misabel Abreu Machado. O aspecto espacial da regra-matriz do imposto municipal sobre serviços, à luz da constituição. RDDT n°. 88. São Paulo: Dialética, 2002. p. 126.

[12] ISS – conflitos de competência. tributação de serviços e as decisões do STJ. RDDT n.º 60. São Paulo: Dialética, 2000. p. 9.