ISS - Base de cálculo

 

Carlos Alberto Del Papa Rossi

 

 

1. Introdução

 

Não é recente a tormenta que agita as discussões sobre a base de cálculo do imposto municipal incidente sobre a prestação de serviços de qualquer natureza.

       Inicialmente faremos breves e singelos comentários sobre lançamento tributário, competência municipal, materialidade do tributo, algumas disposições do Decreto-lei 406/68 e, ao final, apresentaremos nosso modesto entendimento, adiantando que não temos a pretensão de resolver a questão a ponto de não se discutir mais o assunto, mas pretendemos sim, tão somente, trazer idéias que possam, eventualmente, auxiliar na solução da contenda.

 

2. Conceitos iniciais

 

       O Direito Positivo, como corpo de normas jurídicas válidas em tempo e espaço específicos, considera os valores sociais da época para prescrever os comportamentos humanos pretendidos.

Todas as normas jurídicas integrantes do Direito Positivo são construídas pelo intérprete a partir dos enunciados prescritivos constantes dos textos produzidos pelos órgãos habilitados pelo sistema. Há diferença entre as normas jurídicas e os textos que são suportes da atividade exegética. O hermeneuta, analisando e assimilando as idéias transmitidas pelos enunciados prescritivos, obterá os respectivos significados, formando assim normas jurídicas,[1] estas compostas por uma proposição-tese condicionada a uma proposição-hipótese.

Verifiquemos então a estrutura lógico-sintática das normas jurídicas: uma proposição-hipótese (antecedente) e uma proposição-tese (conseqüente), sendo que a primeira define uma situação passível de ocorrência no mundo físico que, ocorrida e juridicizada, implica – juízo condicional – a conduta prescrita na segunda. Paulo de Barros Carvalho já havia predicado que “o discurso produzido pelo legislador (em sentido amplo) é, todo ele, redutível a regras jurídicas, cuja composição sintática é absolutamente constante: um juízo condicional, em que se associa uma conseqüência à realização de um acontecimento fático previsto no antecedente”.[2]

       A norma jurídica pode ser classificada como norma de comportamento ou norma de estrutura; em ambos os casos há regulação de condutas[3]; a segunda (norma de estrutura) disciplina a conduta de criação, alteração e extinção de normas, enquanto a primeira (norma de comportamento) regula a conduta dos homens entre si.

Atentando para o antecedente normativo, podemos distinguir uma norma abstrata de uma norma concreta. Se constatarmos a descrição hipotética de uma situação, ou seja, a mera previsão de um evento não materializado em tempo e espaço específicos, estaremos diante de uma norma abstrata, já que se tratará de mera tipificação de fatos. Por outro lado, pode ocorrer que o antecedente da norma analisada descreva um evento específico devidamente concretizado em tempo e espaço determinados, caso em que se tratará de norma concreta. De outra banda, pelo conseqüente podemos distinguir a norma geral da norma individual; será uma norma geral quando a conduta prescrita no conseqüente normativo estiver direcionada a todos os legislados indistintamente; caso o destinatário da norma seja pessoa ou grupo específico, será a norma caracterizada pela individualidade.

A norma de incidência tributária, como norma geral e abstrata que é, descreve no seu antecedente uma situação que, materializada e devidamente juridicizada, faz irromper a relação obrigacional prescrita no respectivo conseqüente normativo.

       Assim como as demais normas jurídicas, a regra-matriz de incidência tributária – núcleo do tributo – compõe-se de um antecedente e um conseqüente; o primeiro tem, como critérios, o material, o temporal e o espacial; o segundo apresenta os critérios pessoal e quantitativo. Vejamos, ainda que resumidamente, cada um deles:

       Critério material – Sua composição é sempre um verbo e seu complemento [4]. Descreve um comportamento passível de realização por pessoas físicas ou jurídicas (vender + mercadorias; prestar + serviços de qualquer natureza; ser + proprietário; etc.).

       O critério material não chega a descrever o fato que se pretende tributar, senão que a descrição deste está no antecedente como um todo, ou seja, abrange também os critérios temporal e espacial.

       Como adverte Paulo de Barros Carvalho: “Ao individualizar o critério material não se pode abarcar elementos estranhos que teriam o condão de emprestar-lhe feição definitiva, como previsão de um evento. E é tarefa sumamente difícil a ele referir sem tocarmos, mesmo que levemente, nas circunstâncias de tempo e lugar que lhe sejam atinentes. Para olvidarmos tal empecilho é preciso fazer abstração absoluta dos demais critérios (o que só é possível no plano lógico-abstrato) e procurar extrair não o próprio fato, mas um outro evento que uma vez condicionado no tempo e no espaço, venha a transformar-se no fato hipoteticamente descrito”.[5]

       Critério espacial – responsável pela delimitação do espaço territorial dentro do qual deve ocorrer o fato a ser juridicizado, pode ser apresentado pela norma de maneira expressa ou implícita. Se expresso, estabelecerá exatamente onde deverá se materializar a situação descrita no critério material; se implícito, é possível a verificação do local onde deve ocorrer o fato jurídico para que seus efeitos se propaguem. Para esclarecer a idéia, tomemos como exemplo o IPTU instituído pelo Município “A”; ainda que a norma tributária municipal não estabeleça expressamente o local em que deve se dar o fato tributário, certamente, por se tratar de tributo de competência municipal, somente os imóveis situados dentro dos limites territoriais do respectivo Município “A” serão alcançados pela norma de incidência.

       Critério temporal – fixa o momento a partir do qual irradiam os efeitos prescritos no conseqüente normativo.

       Critério pessoal – especifica quais são os sujeitos da relação obrigacional que se instalará após a ocorrência do fato jurídico tributário (juridicização da situação descrita no antecedente): a) sujeito ativo – titular do direito subjetivo de exigir o tributo; b) sujeito passivo – quem tem o dever correlato de prestar o tributo.

       Critério quantitativo – formado por base de cálculo e alíquota. Aplicando-se esta sobre aquela, obtém-se o quantum debeatur – objeto da relação tributária.

Destarte, ocorrido o fato jurídico tributário previsto hipoteticamente (critério material), no tempo (critério temporal) e espaço (critério espacial) previstos, instala-se entre os sujeitos (critério pessoal) fisco (sujeito ativo) e contribuinte (sujeito passivo), uma relação obrigacional, pela qual o primeiro tem o direito subjetivo público de exigir, do segundo, o respectivo objeto (critério quantitativo – alíquota aplicada à base de cálculo).

Como veremos a seguir, a mera concretização da situação descrita no antecedente da norma de incidência tributária não implica a liberação dos efeitos jurídicos prescritos no respectivo conseqüente, mas sim, como denominado por Paulo de Barros Carvalho,[6] um simples evento. Para a irradiação dos efeitos jurídicos, é necessária a juridicização deste evento, o que se dá através da incidência da norma individual e concreta lançamento tributário. Com o lançamento (norma individual e concreta), o evento (tipificado na norma geral e abstrata) passa a ser um fato jurídico tributário, liberando os respectivos efeitos jurídicos.

 

3. Do lançamento tributário

 

Dissemos que o fato jurídico tributário decorre da juridicização do evento (mera concretização do fato descrito na hipótese) e implica a liberação dos efeitos jurídicos prescritos no conseqüente da respectiva norma padrão de incidência. Dissemos ainda que referida juridicização se dá pela incidência de uma norma individual e concreta, o lançamento tributário.

Dispõe o artigo 142 do Código Tributário Nacional que “compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor aplicação da penalidade cabível”.[7]

Do artigo supra citado depreende-se que o lançamento tributário se reporta ao evento a ser juridicizado para originar a obrigação tributária correspondente, ou seja, a relação jurídica tributária prescrita no respectivo pressuposto.

Eurico Marcos Diniz de Santi adota para o termo lançamento o conceito de ato-norma jurídico administrativo, definindo-o como aquele “que apresenta estrutura hipotético-condicional, associando à ocorrência do fato jurídico tributário (hipótese) uma relação jurídica intranormativa (conseqüência) que tem por termos o sujeito ativo e o sujeito passivo, e por objeto a obrigação deste em prestar a conduta de pagar quantia determinada pelo produto matemático da base de cálculo pela alíquota”.[8] Segundo esta lição, é indispensável para o surgimento da relação obrigacional que tenha efetivamente sido materializado o fato descrito hipoteticamente no antecedente normativo.

Deveras, a motivação do lançamento tributário deve ser uma ocorrência do mundo físico que se amolde perfeitamente ao delineamento constante da hipótese da norma padrão de incidência tributária.

Infere-se que o lançamento tributário (norma individual e concreta) que fará surgir a relação obrigacional tributária de pagar determinada quantia a título de ISS deverá ter como motivação exclusiva o acontecimento do mundo fático que se enquadre no arquétipo constitucionalmente descrito, que no caso do tributo em discussão, é prestar serviços. Desta sorte, não havendo subsunção, não será possível surgir obrigação tributária.

Travejadas estas idéias, cremos ser possível passarmos à análise da competência para instituir o ISS, sua materialidade e, por fim, a base de cálculo possível.

 

4. Competência tributária para legislar sobre o ISS e sua materialidade

 

Dentre as espécies tributárias previstas na Constituição Federal de 1988 estão os impostos, passíveis de instituição por todos os entes políticos, de acordo com a competência tributária constitucionalmente distribuída.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 156, inciso III, outorgou aos Municípios competência para a instituição do Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza – ISS. Dessa disposição constitucional notamos que todas[9] as prestações de serviços que não se caracterizem como de comunicação ou transporte interestadual e intermunicipal podem ser tributadas pelos Municípios através do Imposto Sobre Serviços – ISS.

       Considerando a materialidade possível do Imposto Sobre Serviços, estabelecida pelo Texto Supremo (art. 156, III), mister se faz verificarmos o conceito de serviço para efeito de incidência da respectiva norma padrão.

O Código de Defesa do Consumidor, no parágrafo 2º do seu artigo 3º, define serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

       Caio Mário da Silva Pereira ensina que, através de um contrato de prestação de serviços, “uma das partes se obriga para com a outra a fornecer-lhe a prestação de sua atividade, mediante remuneração”[10]; segundo Maria Helena Diniz, o objeto do referido contrato “é uma obrigação de fazer, ou seja, a prestação de atividade lícita, não vedada pela lei e pelos bons costumes, oriunda da energia humana aproveitada por outrem, e que pode ser material ou imaterial”.[11]

       Perfeita é a definição de Aires F. Barreto: “serviço é esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial”.[12] Percebe-se que o mestre, com clareza, bem destacou as particularidades do serviço cuja prestação pode ser objeto de tributação pelos Municípios. Com efeito:

a) O serviço deve ser prestado em favor de terceiros, pois o esforço desenvolvido em favor do próprio prestador não é serviço e, conseqüentemente, não dará ensejo a uma relação obrigacional. Como bem destacou Roque Carrazza[13] “refoge à tributação por via de ISS, o auto-serviço, ou seja, o serviço que a pessoa presta a si própria”; logo em seguida o mestre, através de exemplos, esclarece o raciocínio: “o que é evidente em relação às pessoas físicas (nunca se soube da pretensão de se tributar, por meio de ISS, um indivíduo que fez sua própria barba ou que engraxou os próprios sapatos), não o é em relação às pessoas jurídicas. Mas, a solução jurídica é a mesma: a pessoa jurídica que presta um auto-serviço também está a salvo da tributação por via de ISS. Assim, por exemplo, a empresa que transporta seus próprios funcionários presta um auto-serviço e, por isto, não sofre a incidência do ISS”.

b) Não é possível a tributação de fatos sem conteúdo econômico, mesmo porque a única base de cálculo possível para o ISS é o preço do serviço, e sendo este igual a zero, não existirá quantum debeatur.

c) A prestação do serviço deve ser regida pelo direito privado, pois como determina o artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, é vedado às pessoas político-constitucionais tributar prestações de serviços umas das outras, serviços estes, públicos.

Conforme escreveu Hely Lopes Meireles, serviço público é “todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado”.[14]

Analisando os arquétipos dos tributos, previstos na Constituição Federal, nota-se que os critérios materiais possíveis sempre serão ou atividades do Estado (em sentido amplo), ou outros eventos quaisquer, que em nada se assemelham a atuações estatais. Desta maneira, se o fato jurídico tributário é concretizado pelo Estado, sob o regime de direito público, só poderá ser objeto de tributação por taxa ou contribuição de melhoria; se essa atuação estatal for realizada sob o regime de direito privado, poderá dar ensejo à remuneração por meio de preço público. Por outro lado, se o fato jurídico tributário não se caracteriza como atuação do Poder Público, a tributação será por intermédio de impostos.

No magistério de Hugo de Brito Machado, “o imposto é uma exação não vinculada, isto é, independente de atividade estatal específica. A expressão não vinculada, com que se qualifica o imposto, nada tem a ver com a qualificação da atividade administrativa vinculada, na definição legal de tributo. Quando se diz que o imposto é uma exação não vinculada, o que se está afirmando é que o fato gerador do imposto não se liga a atividade estatal específica relativa ao contribuinte”.[15]

       d) Como bem observou Aires F. Barreto, “a rigor, seria desnecessária a explicitação ‘material e imaterial’. Poderíamos parar em ‘tendente a produzir uma utilidade’ e pronto. Não haveria a necessidade de referirmos material ou imaterial na medida em que na falta de adjetivação teríamos o ‘todo’ abrangido. O registro, todavia, é proposital. Temos enfatizado, em várias oportunidades, esse aspecto para demonstrar mais um equívoco de certa doutrina. É que há autores que asseveram que o ICM é um imposto que grava a ‘circulação de bens materiais’ e que o ISS é um imposto que incide sobre a ‘circulação de bens imateriais’” .[16]

A prestação do serviço sempre terá como resultado uma utilidade material ou imaterial. O serviço prestado por um profissional da psicologia em uma consulta tem como resultado uma utilidade imaterial, o que é diferente da prestação de serviços de um tapeceiro ao trocar o revestimento de uma poltrona.

       Cremos que com estas breves passagens foi possível delinear o conceito de serviço para efeito de tributação via ISS, valendo ressaltar que da incidência do tributo escapam apenas as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, já que tributáveis apenas pelos Estados-membros por via do ICMS (CF/88, art. 155, II).

 

      

       5. Base de cálculo

 

       Analisados e compreendidos os enunciados prescritivos, poderá o intérprete concluir qual o montante correspondente ao objeto da prestação imposta ao sujeito passivo, ou seja, o importe que deverá ser recolhido aos cofres públicos a título de tributo.

A base de cálculo pode ser entendida como um critério legal utilizado para dimensionar o fato jurídico tributário que, combinado com a alíquota, informa o objeto da relação jurídica tributária.

       Magistralmente ensina Aires F. Barreto que, “envolvendo a própria consistência da hipótese de incidência, haveria de o aspecto material abrigar o caráter essencial dessa substância: a possibilidade de mensuração, de transformação em uma expressão numérica. É no aspecto material da hipótese de incidência que, por seus atributos, encontramos a suscetibilidade de apreciação e dimensionamento, com vista à estipulação do objeto da prestação. Aos atributos dimensíveis do aspecto material da hipótese de incidência designa-se base de cálculo. (…). Consiste a base de cálculo na descrição legal de um padrão ou unidade de referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato tributário”.[17] Deste ensinamento notamos que a base de cálculo não é a dimensão da grandeza do fato tributário, mas sim um critério eleito pelo legislador, de acordo com as demais regras do ordenamento, que permite valorar o fato jurídico tributário.

 

       5.1. Base de cálculo do ISS

 

No caso do imposto em questão, incidente sobre a prestação de serviços de qualquer natureza, acreditamos que o estudo da base de cálculo merece algumas cautelas.

Considerando o critério material possível constitucionalmente delineado, a base de cálculo do ISS não pode ser outra senão o preço do serviço, critério próprio para viabilizar a mensuração do fato jurídico tributário. Por tal motivo é de suma importância, neste momento, relembrarmos o conceito de serviço, pois sobre este é que recai o tributo. Se a materialidade do tributo é a prestação de serviço e este, no magistério de Aires F. Barreto, é o esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial, o preço do serviço sobre o qual será calculado o imposto municipal não pode ser outro senão o exclusivo valor correspondente do esforço realizado para se lograr a utilidade pretendida pelo tomador do serviço. Tal valor deve estar em perfeita sintonia com a materialidade do ISS, pois como ensina Paulo de Barros Carvalho, paralelamente, a base de cálculo “tem a virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo”.[18]

Utilizemo-nos de um exemplo: imaginemos que um tapeceiro tenha sido contratado para realizar a troca do tecido de uma poltrona, sendo que para prestar tal serviço comprou o tecido com o qual o móvel será revestido, bem como tecido para forro, pregos, grampos etc. Com a devida vênia, entendemos que o preço do serviço, como base de cálculo do ISS, não poderá computar os valores desses materiais, que foram adquiridos para a prestação do serviço. Isto porque o serviço propriamente dito é apenas o esforço desenvolvido pelo tapeceiro para a troca do tecido. Para uma singela ilustração, suponhamos que o tapeceiro tenha apresentado um orçamento de R$ 1.000,00 sendo que esse total é composto de R$ 500,00 referentes aos materiais adquiridos, R$ 100,00 ao frete (transporte realizado por uma transportadora qualquer), mais R$ 400,00 a título de mão-de-obra. Com o devido respeito aos que entendem de forma diversa, pensamos que a base de cálculo do serviço exemplificado é apenas o montante correspondente ao esforço realizado pelo tapeceiro para revestir a poltrona, excluindo-se os valores referentes ao frete e aos materiais. A operação mercantil de venda e compra dos materiais necessários ao serviço contratado é absolutamente distinta da prestação de serviços na qual o tapeceiro emprega o material adquirido, sendo que o valor destes não deve integrar a base de cálculo do ISS. Denota-se que os R$ 500,00, referentes aos materiais utilizados, são cobrados a título de mero reembolso do dispêndio com insumos sem os quais o serviço não poderia ser prestado. Quanto ao valor do frete, sua inclusão na base de cálculo do serviço do tapeceiro, além de em nada se relacionar com o serviço prestado, acarreta a bitributação do serviço do transporte, pois a empresa transportadora, pelo serviço prestado ao tapeceiro, está obrigada ao recolhimento do respectivo ISS.

Vale conferirmos algumas decisões do Eg. Superior Tribunal de Justiça:

 

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO. ISS. BASE DE CÁLCULO – SERVIÇOS. ILEGALIDADE DA INCIDÊNCIA SOBRE A RENDA BRUTA QUANDO O CONTRIBUINTE FOR DISTRIBUIDORA DE FILMES CINEMATOGRÁFICOS E VÍDEO-TAPES. DENÚNCIA ESPONTÂNEA.

O distribuidor de filmes e vídeos-games coloca-se como intermediário, aproximando produtor e exibidor. Por isso, a base de cálculo do ISS relativo a sua atividade é a remuneração efetivamente percebida, ou seja o saldo entre a quantia recebida do exibidor e aquela entregue ao produtor”.[19]

 

 

“TRIBUTÁRIO.. ISS. BASE DE INCIDÊNCIA DO CÁLCULO. SERVIÇOS DE DISTRIBUIÇÃO DE FILMES CINEMATOGRÁFICOS. RESTITUIÇÃO.

1. A empresa distribuidora de filmes cinematográficos e vídeo tapes atua como intermediadora entre os produtores e exibidores, daí que a base de cálculo do ISS de ser o montante de sua respectiva comissão, remuneração auferida sobre a diferença entre o valor cobrado e o que é entregue ao dono da película.

2. Sendo ilegal a incidência sobre a renda bruta para fins de obtenção da base de cálculo do ISS, o tributo recolhido acima desse limite deve ser restituído.

3. Recurso especial conhecido, porém, improvido”.[20]

 

 

“TRIBUTÁRIO. SERVIÇOS HOSPITALARES, ISS. MEDICAMENTOS UTILIZADOS E REFEIÇÕES SERVIDAS NOS HOSPITAIS. NÃO-INCIDÊNCIA.

1. Não há que se falar em incidência do ISS sobre mercadorias envolvidas na prestação do serviço efetuado no hospital.

2. Precedente.

3. Recurso improvido”.[21]

 

 

Com efeito, como vimos, o lançamento tributário só poderá se reportar ao fato que efetivamente se amolde à materialidade prestar serviços, sendo que o objeto da respectiva relação obrigacional tributária será calculado sobre o exclusivo valor da prestação, devendo-se desprezar todas as parcelas que forem estranhas à materialidade propriamente dita.

Assim, a base de cálculo do ISS não pode ser a receita bruta auferida pelo prestador, mas tão somente a parcela correspondente à efetiva atividade que se amolda ao conceito de prestação de serviço tributável via ISS. Vale conferirmos a lição de José Eduardo Soares de Melo: “Embora a expressão ‘preço’ – significando a remuneração pela prestação de serviços – não ofereça dificuldade para ser apurada (previsão contratual e indicação em nota fiscal), o fato é que nem todos os valores auferidos pelo prestador de serviço devem ser considerados para quantificação do tributo. Diversos valores não mantêm conexão com a quantia acordada como forma de remuneração de serviços, podendo tratar-se de simples recebimentos temporários, ou ingressos de distinta natureza, uma vez que só pode ser considerada como receita aquele valor que integra o patrimônio do prestador”.[22]

 

5.2. Algumas particularidades da base de cálculo do ISS nos serviços relacionados com a construção civil

 

Primeiramente destacamos nosso posicionamento no sentido de que o parágrafo 2° do art. 9° do Decreto-Lei 406/68 foi recepcionado pela Constituição de 1988, pois na verdade não veicula isenções tal como entendem alguns doutrinadores; referida disposição é meramente explicativa, ou seja, apenas esclarece o que já se encontra previsto na Lei Suprema.

Como vimos anteriormente, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, ou seja, exclusivamente o montante que é acrescido ao patrimônio do prestador como remuneração pelo esforço por ele desenvolvido. Desta forma, o citado parágrafo 2° do art. 9° do Decreto-Lei 406/68, ao dispor que na base de cálculo do ISS incidente sobre os serviços descritos nos itens[23] 19 e 20 da lista anexa não se incluem os montantes correspondentes ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços, bem como ao valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto, nada mais fez do que explicitar o que já estava regrado pela Lex Suprema.

Assim como nos demais casos, o ISS incidente sobre os serviços relacionados com a construção civil, devem ter por base de cálculo, tal como determina da Constituição Federal, o exclusivo valor da prestação, sem se computar valores que não se amoldem à respectiva materialidade.

Vejamos algumas situações:

a) subempreitada – prestar serviços é o critério material do ISS, ou seja, a mera contratação de serviço – que não chega a ser prestado – não faz irromper entre o fisco municipal e o contribuinte uma relação jurídica tributária[24], a qual só passará a existir com a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. Estas premissas são importantes porque, no caso de subempreitada, seja global, seja parcial, haverá um segunda contratação através da qual o empreiteiro cederá à subempreiteira toda a obra ou parte dela, sendo que sobre a prestação de serviço é calculado o ISS incidente.

b) materiais – quando da realização da obra, pode o prestador do serviço necessitar da utilização de determinados materiais; o ISS incidente sobre a prestação de serviços, sejam relacionados com os itens 32, 33, 34 e 37, sejam quaisquer outros, como já vimos, deve ter por base de cálculo o montante exato correspondente ao esforço desenvolvido para fornecimento da utilidade, seja ela material ou imaterial. Com efeito, se o prestador, para a realização da obra contratada, emprega materiais adquiridos de terceiros, o valor desses materiais não pode ser computado para apuração da base de cálculo do ISS, pois o referido montante, cobrado do tomador, não terá natureza de remuneração pelo serviço prestado (critério material do ISS), mas sim mero reembolso de gastos com insumos.

Caso o prestador, com habitualidade, também comercialize materiais, estará realizando o fato descrito como hipótese do ICMS. Como bem destacou José Eduardo Soares de Melo, “caso a empresa de construção civil produza bens e com eles realize negócio jurídico totalmente distinto daquele constante de seu objeto societário, tal como a pura e simples venda a terceiros, é que poderá, então, verificar-se a incidência do ICMS, mediante qualificação como comerciante, desde que tal prática mercantil seja realizada com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial”.[25] Neste sentido:As empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS, salvo nas situações que produzam bens e com eles pratiquem atos de mercancia diferentes da sua real atividade, como a pura venda desses bens a terceiros; nunca quando adquirem mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras”.[26]

Quando o material é produto de atividade que se caracteriza como prestação de serviço, incide o ISS e não o ICMS, tal como ocorre, por exemplo, no fornecimento de concreto, já que decorre de serviços prestados dentro de especificações fornecidas por profissionais habilitados. Neste sentido vale conferirmos decisão do Eg. Superior Tribunal de Justiça, na qual o Douto Ministro Garcia Vieira ressaltou que: “a preparação de concreto, seja feita na obra – como ainda se faz nas pequenas construções –, seja feita em betoneiras acopladas em caminhões (caso da impetrante) é prestação de serviços técnicos que consiste na mistura, em proporções que variam para cada obra, de cimento, areia, pedra britada e água, e mistura que, segundo a Lei Federal 5194/65, só pode ser executada, para fins profissionais, por quem registrado no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, pois demanda cálculos especializados e técnicos para sua correta aplicação” (REsp 82.501/SP).[27] No mesmo sentido, Roque Antonio Carrazza ensina que “o único tributo devido, nestes casos (e inúmeros outros similares), é o ISS. Por quê? Porque aí ocorrem típicas prestações de serviços. Nunca operações mercantis”.[28]

 

       5.3. A questão das sociedades uniprofissionais

 

       Inicialmente façamos oportunas breves considerações sobre os princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Pelo primeiro, é vedado o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, bem como o tratamento idêntico para os desiguais; o segundo, em linhas gerais, impede que o contribuinte seja obrigado a suportar tributo quantificado acima de sua real condição econômica.

       Destarte, sendo prestadores de serviços e, conseqüentemente, sujeitos à tributação via ISS, devem ser tratados com observância aos citados princípios, de forma que, havendo qualquer desigualdade, impõe-se tratamento desigual.

       Em harmonia com esses princípios constitucionais, o Decreto-Lei n.° 406/68, em seu artigo 9°, parágrafos 1° e 3° esclareceu, respectivamente: “§ 1° – quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho”; “§ 3° – quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável”.

       Com a devida vênia, somos pela constitucionalidade destas disposições, destacando que, para tanto, enxergamos a lista de serviços como meramente exemplificativa. Noutras palavras, pensamos que a prestação de outros serviços, além daqueles representados pelos itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92, desde que realizada nas mesmas condições, deve ser tributada nos termos do parágrafo 1° do art. 9° do Decreto-Lei n.° 406/68.

       Tratamento diverso implicaria, sem sombra de dúvida, a sua inconstitucionalidade, por afronta aos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva.

       A prestação de serviços por trabalho pessoal é absolutamente diversa daquela em que há manifesto caráter empresarial, razão pela qual a Constituição exige tratamento distinto – isonomia –, o que foi apenas explicado pelo Decreto-Lei n.° 406/68. O equívoco é cometido pelos poderes legislativos dos Municípios que, incapazes de interpretar corretamente o Decreto-Lei n.° 406/68, não conseguem, com criatividade, elaborar corretamente suas leis que, muitas vezes, padecem por inconstitucionalidade.

       Vale conferir o entendimento da Corte Especial:

      

“Tributário. ISS – Sociedade Profissional com Caráter Empresarial – Médicos que prestam Serviço Especializado, sem Responsabilidade Pessoal – Decreto-lei n.° 406/68, Artigo 9°, Parágrafos 1° e 3° – Precedentes STJ.

As sociedades profissionais, constituídas exclusivamente por médicos, para a prestação de serviços especializados, com caráter empresarial ou comercial, não fazem jus ao privilégio do § 3°, do artigo 9°, do DL 406/68, que beneficia apenas as sociedades que prestam serviços em caráter pessoal, ou seja, em que o sócio assume a responsabilidade profissional, individualmente. Recurso não conhecido”.[29]

 

 

“Tributário. ISS. Sociedades Profissionais.

1. As sociedades profissionais de prestação de serviços contábeis não têm direito ao privilégio previsto no art. 9°, § 3°, do DL n.° 406/68, quando não desenvolvem as suas atividades por meio de profissionais autônomos e de forma individualizada.

2. Se a sociedade presta serviços em seu nome, de modo generalizado, descaracterizada a maneira pessoal do trabalho uniprofissional, está obrigada ao pagamento do ISS.

3. Panorama processual revelador de que não há prestação de serviços individualizados e com responsabilidade pessoal de cada profissional.

4. Recurso improvido”.[30]

 

       Por fim, é de se salientar que o ordenamento não exige que os profissionais sejam de nível superior. Destarte um bacharel em contabilidade (nível superior) pode, com um técnico em contabilidade (2° grau), formar uma sociedade que tenha como objeto a prestação de serviços de contabilidade, sujeitando-se à tributação tal como explicitada pelo art. 9°, parágrafo 1°, do Decreto-Lei n.° 406/68.

      

        6. Conclusão

 

       Considerando a materialidade do ISS descrita constitucionalmente, bem como a correlação lógica que deve existir entre ela e a base de cálculo, entendemos que o ISS só poderá ser calculado sobre o valor que seja a efetiva expressão econômica do prestar serviços, com a exclusão de qualquer outra parcela recebida do tomador a outro título.

       O lançamento tributário, como norma juridicizante, deverá se reportar a uma ocorrência do mundo físico que se amolde perfeitamente à descrição normativa (hipótese) para instalar a respectiva relação obrigacional. Ausente o evento, falta motivação para o lançamento tributário.

       Toda e qualquer atividade que se assemelhe à construção civil é tributada exclusivamente pelo ISS, salvo o puro comércio de materiais.

       A base de cálculo do ISS, qualquer que seja a prestação de serviço, não pode ser composta por valores estranhos ao serviço efetivamente prestado.

       Não há inconstitucionalidade no art. 9° do Decreto-Lei n.° 406/68, que apenas elucida o que se encontra previsto na Lei das Leis, harmonizando-se perfeitamente com os princípios da isonomia e capacidade contributiva.

 

BIBLIOGRAFIA